sábado, dezembro 24, 2005

CAPÍTULO X

Capítulo X

Não estavam à espera de outra coisa, pois não? Eu tenho boas ideias, mas vocês já sabem disso. A minha imaginação salva-me de todas as situações de desespero e mais uma vez aqui está a prova disso mesmo.
Saio do Fanicos e entro no Z3. Escrevo uma carta, endereço-a à Mena e ponho-a no porta-luvas. Arranco e eles vêm atrás de mim. Dou a volta ao quarteirão, entro para as traseiras do Fanicos e eles ficam lá fora. Vamos à cave, abrimos o alçapão e tiramos todos os sacos para fora.
_Lim. E se ficássemos com alguns sacos?
_É melhor não. Vamos levar tudo para não arranjarmos problemas.
Começamos a carregar os sacos para o Z3 e logo vimos que não iam caber todos. Nem nos tinha passado pela cabeça que o Z3 tinha uma mini-mala.
_E agora, Lim?
_Temos que arranjar um carro o mais rápido possível. Alguma ideia?
_Posso pedir à Mena o carocha dela. Deve caber tudo na mala e no banco de trás.
_Boa ideia. Liga-lhe.
_Tou! Mena?
_Olá anjo. Onde estás?
_Ainda estou ocupado, mas preciso da tua ajuda.
_Tudo o que quiseres.
_Preciso que me emprestes o teu carro.
_O meu carro?
_Sim, mas tem que ser já.
_Não o vais estragar, pois não?
_Não, amor. É por pouco tempo. Ainda te o devolvo esta noite.
_Passas aqui ou queres que vá ter contigo?
_Vem ter comigo ás traseiras do Fanicos.
_Dá-me só um minutinho. Até já, anjo.
_Até já.
_Porque é que combinaste aqui? Estás tolo?
_Não, man. Mas diz-me, se fosses a judite qual dos carros é que seguias quando saíssem dois ao mesmo tempo em direcções opostas?
_Boa miúdo. Estás a surpreender-me. Ela demora muito?
_Não. É uma questão de minutos.
Passados quinze minutos entra o carocha da Mena pelas traseiras do Fanicos. Ela sai do carro e beijamo-nos. Carregamos os sacos para a mala do carocha e depois para o banco de trás.
_De certeza que não me queres contar o que se passa, amor?
_É melhor não saberes de nada, Mena. É mais seguro para ti.
_O Lim tem razão, Paixão. Primeiro a tua segurança.
_Vão demorar muito?
_Um bocado, mas quando chegarmos vamos ter à tua casa para trocarmos de carro. Não te preocupes, amor.
_É difícil não me preocupar, mas não te esqueças de me ligar quando chegares à porta da minha casa, está bem?
_Está descansada que eu ligo. Até já, Paixão.
_Até já, amor.
O Lim não sabe, mas eu segredei no ouvido da Mena para ir ao porta-luvas do Z3. Acho que ela merece saber a verdade, afinal é a minha namorada e eu adoro-a. Escrevi no envelope para não o abrir antes das duas da manhã, pois se correr tudo bem estou com ela antes e assim escusa de abrir o envelope.
Entrámos para dentro dos carros e arrancámos. Mal saímos do Fanicos tivemos a surpresa de estarem dois carros da judite, o Peugeot 306 verde veio atrás de nós e um Renault Megane foi atrás da Mena.
_A judite foi mais esperta que o costume, Lim.
_É verdade. Vais ter que os despistar.
_Deixa comigo.
Começo a conduzir um bocado mais rápido e consigo ver a judite nos meus espelhos retrovisores sempre colados à minha traseira. Parámos num semáforo vermelho e a judite pára ao nosso lado. O Lim cumprimenta-os e eles respondem.
_Está uma linda noite meus senhores. O que fazem a pé a estas horas?
_Onde vais Lim? Porque não nos dizes já?
_Sabem, se eu não vos conhecesse diria que nos estão a seguir.a
_O melhor é chamarmos a polícia, man.
_Vocês são muito engraçados.
De repente o sinal abre para verde e eu arranco a toda a velocidade. A judite não estava à espera de tal arranque e fica uns metros para trás. Já vamos a cento e dez dentro da cidade, o carro foge-me de traseira em todas as curvas e a judite está a uns bons cinquenta metros atrás.
Estava na hora de me livrar destes gajos. Aqui há uns anos atrás, tinha imaginado uma maneira de me livrar de alguém que me estivesse a seguir e até agora nunca a tinha posto em prática.
Estamos a chegar à zona de maior movimento, para uma Sexta-feira à noite, e vamos a cem quilómetros por hora. A rotunda está a ficar cada vez mais perto e a judite está quase colada à minha traseira. Quando chego à rotunda puxo o travão de mão e guino para a esquerda, a judite tenta fazer o mesmo e ficam parados no meio das faixas da rotunda. Os carros estão todos a apitar e eu vou no sentido contrário. Exactamente contra eles e todos se desviam de mim. Consigo agora ver, pelo espelho retrovisor, os dois agentes fora do carro sem perceberem muito bem o que se tinha passado. Eu já não estou em sentido contrário, pois virei na primeira à esquerda e retomei à minha mão. Acelero agora para o local imposto, para debaixo da ponte junto ao rio.
Já se consegue ver a ponte lá à frente, vamos muito devagarinho atentos a tudo o que se passa à nossa volta, pois não queríamos ser surpreendidos.
_Lim! Olha ali umas luzes.
_Continua a esta velocidade e só paras quando estivermos a uns cinquenta metros daquele carro.
Estava um carro parado debaixo da ponte, não conseguíamos ainda ver qual era a marca nem quantos tipos estavam lá. Cem ... setenta ... cinquenta metros. Paro o carro e o Lim sai lá para fora. Eu saio a seguir a ele e consigo ver nas suas costas o formato de uma pistola.
O Lim estava armado, aliás eu também estava. Pois é, não tinha devolvido o punhal utilizado na recolha nocturna. Se desse para o torto também estávamos preparados.
_ E saia o gato. Vamos a isto.
Estamos os dois parados à frente do carocha quando de repente se acendem as luzes do carro que estava parado, as luzes ofuscavam-nos os olhos, pois eram muito fortes.
Não podia ser um carro, tinha que ser um jipe ou uma carrinha do género pickup. Sim, uma pickup do mesmo tipo que tínhamos usado na recolha nocturna. Estranho.
_Tragam toda a massa para aqui e não tentem nenhum disparate.
_Esta voz não é nada estranha, Lim. Tenho quase a certeza que é a do Pedro.
_Tem calma. É melhor fingirmos que vamos obedecer e atacarmos só no momento certo.
Não conseguíamos ver quem nos estava a dar ordens devido à luz que nos feria os olhos. Pegamos em parte dos sacos e começamos a caminhar em direcção às luzes. Eu e o Lim íamos a conversar em voz baixa sobre quando seria a melhor altura para contra-atacar.
_Mais rápido. Não tenho a noite toda.
_Se nos ajudasses eras mais esperto, man.
_Está mas é caladinho que para ti tenho uma surpresa.
Cada vez estávamos mais perto das luzes, até que finalmente consigo ver a matrícula. Não restavam duvidas era a Nissan que tinha sido utilizada na recolha nocturna. Bandido do caraças, quer o produto todo para ele. Seria o Pedro ou o Filipe? Foram os dois deixar a Nissan no parque, qual é que teria ficado com as chaves? Em princípio seria o Filipe para dar as chaves ao primo, mas não sei porquê continuo a desconfiar do Pedro.
_Olá! Não estavam à minha espera?
_Pedro! Eu disse-te Lim.
_Pedro? Porquê?
_Comecem a carregar a Nissan e deixem as perguntas para o fim.
À medida que íamos carregando a Nissan com os sacos víamos o Pedro a apontar-nos uma arma com um sorriso na cara.
_Lim não achas que está na altura de fazermos alguma coisa?
_Já não.
_O que estão a segredar os dois? Vá lá que já faltam poucos sacos.
Não estou a entender o Lim, mas para mim esta é a altura certa para estragar os planos do Pedro.
_Pedro só preciso que me digas uma coisa. Como é que sabias do meu apartamento?
_Cá tenho os meus contactos. Não estás à espera que os revele, pois não?
Pego no último saco e caminho na direcção do Pedro. Olho-o nos olhos e sorrio. Ele responde-me com um ar trocista e mete a pistola na boca dele. Continuo a caminhar com o saco às minhas costas e sem desviar a direcção. Quando vou a passar por ele viro-me violentamente e acerto-lhe com o saco na cara.
_Toma!
_Haaaaa!
O Pedro deixa cair a pistola e cai agarrado à cara.
_Lim! Já o controlei.
_Tu és tolo miúdo? Podias nos ter morto.
O Lim vem para junto de mim com a arma dele na mão e aponta-a para o Pedro.
_Sabes o que mereces, Pedro?
_Antes de o matares quero saber como é que ele chegou à minha casa.
_Queres que te diga? Eu digo-te. Afinal eu disse-te que tinha uma surpresa.
O Pedro levanta-se com uma mão na cara e olha-me com uns olhos de raiva. Eu avanço para ele com o punhal e encosto-o ao pescoço dele.
_Não faças nenhuma estupidez miúdo.
_Eu sei o que faço Lim.
_Já te disse para não fazeres nenhuma estupidez.
O tom de voz do Lim estava diferente, mais elevado e sério. Volto-me e o Lim está a apontar-me a pistola.
_O que estás a fazer man? Aponta para ele Lim.
_Tem calma que tudo vai correr bem.
_Estava a ver que nunca mais entrevias Lim. Tira a naifa daí antes que ele dispare.
_Alguém me quer explicar o que se passa? Lim porquê?
_Desde o início que eu e o Pedro tínhamos tudo combinado. O plano inicial era eliminar-te a ti e ao Gazela, mas devido à relação que mantinhas comigo, combinei com o Pedro que eliminávamos o Gazela e faríamos com que tu pensasses que o Pedro estava a agir sozinho e que nos tinha enganado a todos.
_Agora tudo encaixa, man. Foste tu que lhe disseste do meu apartamento. E naquele dia em que apareceu o segundo envelope como é que não te vimos?
_Nem me fales. Quase que dei de caras com o vosso amigo, mas felizmente fui a tempo de ir para as escadas e ele não me viu quando saiu do elevador.
_ Só tem uma falha o vosso plano?
_Ai sim? E qual é essa falha miúdo?
_Também vais ter que me eliminar depois de eu dar cabo do Pedro.
_O nosso plano não tem falhas. Tu nunca me vais eliminar depois de saberes onde está a tua querida Mena.
_A Mena? O que fizeram vocês com ela? Lim, se alguém tocou num fio de cabelo que seja dela eu mato-vos aos dois.
O Lim continuava muito calmo a apontar-me a sua pistola, enquanto que o Pedro estava com um ar desesperado e não parava de se tentar libertar de mim. Eu segurava as duas mãos do Pedro atrás das suas costas e continuava com o punhal encostado ao seu pescoço.
_Vamos, solta o Pedro e nada acontece à Mena. Neste momento é uma e meia da manhã, se daqui a quinze minutos não fizer um telefonema a Mena passa à história. Eu não quero isso e tu também não.
O Lim começa a caminhar na minha direcção, sempre com a pistola bem apontada à minha cabeça. O Pedro não para quieto e o meu coração está a bater cada vez mais acelerado.
De repente o Pedro dá-me um safanão ao tentar se escapar e o meu punhal enterra-se na sua garganta. Rapidamente pego nele e ponho-o à minha frente para fazer de escudo caso o Lim disparasse.
_Agora é que fizeste asneira miúdo.
O Lim dispara duas vezes e as balas enterram-se no corpo do Pedro que ainda soluçava sangue. Eu dou um salto para o chão e começo a rebolar pelo talude que vai dar ao rio. Ouço o som das balas que o Lim dispara furiosamente contra mim, mas felizmente nenhuma me acerta, apesar de algumas se enterrarem no chão muito perto de mim.
_Morre!
Paro de rebolar e fico agachado atrás de um arbusto. O Lim continua a disparar no escuro e começa a descer o talude à minha procura. Acho que o meu coração está tão rápido que me vai furar o peito. Ouço o Lim a chamar por mim. Cada vez está mais perto do meu arbusto e eu já nem respiro.
Deve estar a uns cinco metros de mim, até que pára. Está agora um silêncio de morte no ar. O Lim já não fala, não consigo ouvir os seus passos e começo a pensar que ele deve estar à espera que eu me mexa para me conseguir localizar. Eu bem espreito mas não se consegue ver absolutamente nada. Onde estará ele e o que estará a fazer?
_Podes levantar-te miúdo. Achei-te.
Olho para o meu lado esquerdo e consigo visualizá-lo a um metro de mim. Começo a ver mais nítido agora que a poeira já pousou e reparo que ele está de costas para mim. Será possível? Eu acho que sim. Não posso perder esta oportunidade para contra-atacar.
_Já te disse para te levantares, ou preferes ficar deitado para sempre.
Click! O Lim dispara mas está sem balas. Chegou a altura certa. Levanto-me sorrateiramente com o punhal em punho e no momento em que o vou a espetar nas suas costas, ele vira-se rapidamente e defende-se com o punhal dele.
_ Pelas costas traidor?
_Traidor? É preciso ter lata.
Começamos uma luta terrível. O Lim ataca-me com o punhal dele e dá-me um corte no peito. Eu respondo, mas ele é um excelente lutador e facilmente dá-me um soco com a mão esquerda, caio desamparado no chão e deixo cair o meu punhal. Ele vem para cima de mim e o punhal fica a uns escassos centímetros da minha cara. Estou a segurar nas mãos dele com as minhas duas mãos e sinto que não vou ter forças para aguentar muito mais tempo. Consigo ver a expressão de raiva presente nos seus olhos, nos contornos da sua cara e principalmente na ponta do punhal.
_Prepara-te para chegares ás portas do inferno.
_Lim está alguém atrás de ti.
_Pensas que caio nesse velho truque?
Nunca pensei que caísse, mas o certo é que se descuidou e distraiu-se por um momento. Com toda a minha agilidade e com forças saídas sabe-se lá de onde, largo as mãos do Lim, desvio a minha cabeça para o lado, o punhal espeta-se no chão e eu acerto com os meus dois punhos na cara dele. Pof! Incrível, o Lim está desmaiado em cima de mim. Não aguentou com a força do meu golpe. Empurro-o para o lado e levanto-me.
E agora? O que fazer? Eles têm a Mena e eu preciso de saber onde. O Pedro já era, mas o Lim ainda pode fazer o telefonema para a libertarem. O melhor é imobilizá-lo para quando ele acordar não me atacar mais.
Pego no punhal e corto uns pedaços da camisola do Lim. Ato-lhe as mãos atrás das costas e as pernas e os pés também. Arrasto-o para junto do carocha e meto-o lá dentro. Entro e arranco. Dirijo-me para cima da ponte e paro. Pego nele e levo-o para a berma da ponte.
_Acorda Lim.
Ao mesmo tempo que falo vou-lhe dando estalos para ver se ele desperta.
_Acorda Lim.
_O que fizeste? Porque é que estamos aqui?
_Onde está a Mena? Faz o telefonema para a libertarem.
_Só se me soltares.
Começo a incliná-lo para ele pensar que o vou atirar lá abaixo.
_Se não fizeres o telefonema largo-te. São quase duas horas da manhã.
_Então esquece já é tarde de mais. Solta-me, dividimos o dinheiro e eu desapareço.
Estou agora a abaná-lo, sinto-me descontrolado e com vontade de o largar.
_Faz a merda do telefonema senão largo-te.
_Já não vale a pena miúdo. É tarde de mais. O amor nem sempre está do lado da razão. Solta-me e vamos embora.
Aquela frase, “O amor nem sempre está do lado da razão”. A minha Mãe também já me disse isso. Será que eles têm razão? Se assim for só me resta uma solução.
Endireito o Lim e aproximo-me do ouvido dele.
_Adeus.
Largo-o e vejo o Lim a cair. Consigo ouvir a sua voz a afastar-se e por fim a estatelar-se no chão. Deve ter caído bem perto do Pedro.
Agora o melhor é desfazer-me dos dois corpos, meter a Nissan num parque e desaparecer com o dinheiro todo.
Começo a ouvir o som de sirenes e vejo as luzes da polícia a aproximarem-se.
Não sei que história lhes vou contar, nem entendo como é que eles vieram cá parar, mas isso agora não importa, pois perdi o que mais queria e também não tenho intenção de ser apanhado. Das duas uma ou fujo sem o dinheiro ou me atiro lá abaixo e ponho um ponto final em toda esta história. Sinto uma lágrima a escorrer-me pela cara. Estou agora a lembrar-me dos meus Pais, do Rui e principalmente da Mena. Sim, a Mena. Até a Mena eu perdi. O meu amor.
Aproximo-me da berma e vejo uma confusão de carros a pararem lá embaixo. Carros da polícia, uns à Paisana e outros com todas aquelas luzes azuis a rodopiarem. Muita gente fora dos carros. Polícias e enfermeiros por todo o lado. Está na hora de tomar uma decisão e a única que me passa pela cabeça é o meu nome. Sim, só me lembro da música do meu nome. É dos Lamb. Gabriel. Recordo agora a bela história do meu nascimento, como fui salvo pelo anjo Gabriel. A Mena adorava quando eu lhe a contava, por isso ela me tratava por anjo. Anjo Gabriel.
Salto. Abro bem os meus braços e ouço a música nos meus ouvidos. I can fly...
Enquanto caio consigo ver a Mena. Está viva. Está lá embaixo de joelhos a gritar por mim. A chorar. Fui enganado.
_Menaaaaaaaaaa!
_Gabriel! Anjo! Não!
Passa-me tudo pela minha cabeça. Os acontecimentos mais diversos da minha vida ofuscam os meus olhos como se alguém me estivesse a apontar um foco potentíssimo. A história do meu nascimento, os meus Pais, a Mena, a Tina, o Lim, o Rui, o meu primeiro cigarro, a minha maior moca, a morte do Gazela ... tudo o que de algum modo me marcou. Até que chega uma escuridão assustadora.
Esborracho-me no chão com violência tal, que não abro mais os meus olhos.
A Mena corre para mim. Agarra-me pelo pescoço, a chorar e aos gritos.
_Meu anjo! Porquê?
_Vamos menina afaste-se deixe passar os paramédicos.
Os paramédicos bem tentaram, mas o anjo que vivia em mim foi-se. Regressou aos céus de onde veio para me salvar, pois foi incapaz de voar sem as suas asas. Afinal eu não era anjo nenhum, pois não tinha asas, mentia, roubava e até matava. O mais parecido que eu tinha com um anjo era o amor. Sim, eu amava a Mena e ela nunca saberá porque é que saltei. Que a única razão foi pensar que a tinha perdido para sempre. Quem diria que a minha imaginação me pregaria tamanha rasteira e logo ela que me safou de tantas outras. A única certeza com que fiquei foi que o Lim e os meus Pais estavam errados. Se a razão nem sempre está do mesmo lado que o amor, devemos sempre agir segundo aquilo que o coração nos manda. E por mais voltas que a vida dê, por mais estranho e perigoso esteja o caminho por onde andámos, nunca ... nunca por fim à melhor coisa e mais preciosa que temos ... a nossa vida.

FIM

quarta-feira, outubro 12, 2005

CAPÍTULO IX

Capítulo IX

Estou deitado no meu sofá. A curtir um som de Kruder & Drofmaster. A pensar no que tinha que contar ao Lim. Espera aí o que é aquilo? Olho agora para qualquer coisa que está no chão, junto à porta da entrada. Parece ser um envelope. Levanto-me e apanho o envelope do chão. É uma carta sem remetente. Espera aí. Hoje quando fui buscar o jornal também trouxe uma carta sem remetente. Será que se está a passar alguma coisa?
Sento-me no sofá e abro um dos envelopes. Desdobro uma folha de papel e vejo uma série de letras de algum jornal recortadas e coladas.
_Não vale a pena procurarem-na. Leiam a primeira carta.
Pego no envelope que encontrei na caixa do correio e abro-o. De novo letras de jornal recortadas e coladas.
_Temos a chave em nosso poder. Se não fizerem o que queremos enviamos a chave para a judiciária.
Agora é que vão ser elas. Estamos tramados. Estão a fazer chantagem connosco e ainda para mais de certeza que vão querer o dinheiro todo. Tanto trabalho para nada. Merda. Tenho que falar urgentemente com o Lim. Mas ele disse-me para esperar pelo telefonema dele.
Pego nas cartas e olho de novo para elas. Reparo que o primeiro envelope também não tina selo e que as letras são todas do mesmo tipo. O jornal escolhido é o mesmo. Qual seria? Pego no que estava em cima da mesa e reparo que as letras coincidem. Os gajos lêem o mesmo jornal que eu. Estranho. Sinto algo a tremer na minha perna. É o meu telemóvel. É o Lim. Yes.
_Tou! Lim!
_Então? Onde estás?
_Vem ter comigo ao meu apartamento. Rápido.
_Até já.
_Aconteceram umas merdas, man.
_O quê?
_Já falamos, man. Não é assunto para falarmos ao telefone.
_Está bem. Até já.
_Despacha-te.
Pouco tempo depois estou com o Lim na minha sala.
_Lim não faças só um. Faz dois porque vamos precisar. É muita merda, man.
Contei-lhe toda a história que o Rui me tinha contado e das cartas que tinha recebido. O Lim ficou com um ar preocupado e começou a franzir a testa.
_Que vamos fazer, Lim?
_Estou a pensar. Mas até eles nos contactarem de novo não podemos fazer nada.
_Bem podemos esperar sentados.
_Podes sempre receber outro envelope por baixo da porta.
_É. Mas não acredito. Quem viria colocar um envelope aqui sabendo que cá estamos os dois?
_Um maluco qualquer, sei lá.
Foi quando ouvimos um barulho e olhamos os dois para a porta da entrada. Um envelope deslizava ainda pelo chão. Levantamo-nos os dois e corremos para a porta. Abro a porta e quando saio a correr esbarro contra alguém no meio da escuridão.
_Ai!! Não vez por onde andas, pá?
_Rui? És tu?
_Sou pá. Quem esperavas?
_Como é que sabes que eu moro aqui? O que vieste aqui fazer?
_Deixa-me entrar, pá. Já falamos.
Entramos os três para a sala e o Lim senta-se em frente ao Rui.
_O que se passa, pá?
_Como é que vieste cá parar, man?
_Olha. Rui, nós só queremos saber o que vieste cá fazer?
_Tenham calma. Olha pá, sabes que horas são?
_Horas? Estás passado, man?
_Sim, pá. Horas. São oito horas.
_E depois? Lim, este gajo está passado de todo.
_Rui. Foste apanhado. Confessa o que vieste cá fazer.
_Eu só vim cá porque a Mena me pediu, pá.
_A Mena?
_Sim, pá! A tua namorada estava preocupada contigo. Eu encontrei-a na rua e ela disse-me que tu te esqueceste de a ir buscar e eu disse-lhe que ía à tua casa falar contigo, foi quando ela me disse que era mais fácil encontrar-te aqui.
_A Mena disse-te para vires aqui?
_A sério, pá. Porquê? Passa-se alguma coisa contigo?
_Rui foi só por isso que vieste ter aqui? Porque a namorada dele te disse que ele tinha aqui um apartamento?
_Já disse que sim, pá. O que se passa, pá?
_Nada, man. Foi só uma cena sem importância. Não ligues.
_Se precisares de alguma coisa sabes que podes contar comigo, pá.
_Está descansado, man. Não se passa nada.
_Rui se não te importas, nós estávamos a ter uma conversa particular.
_Tudo bem, pá. Já estou de saída.
_Eu ligo-te mais tarde, man. Pode ser?
_Pode ser. Até já. Tchau Lim.
_Adeus Rui.
O Rui sai e nós sentámo-nos de novo no sofá. De repente o Lim dá um salto e vai até à porta. Apanha o envelope do chão e abre-o.
_À meia-noite encontramo-nos debaixo da ponte, junto ao rio. Levem todos os sacos do dinheiro.
_Merda. Terá sido o Rui que trouxe isto, man?
_Como assim?
_Imagina que o tio dele encontrou a chave. Pega na chave e guarda-a no bolso. Vai ter com o Pai do Rui e juntos preparam um plano para nos tirarem a massa toda.
_Não me parece. Como é que eles a partir de uma chave chegavam ao meu carro? Ainda para mais o puto parecia dizer a verdade, aliás basta telefonares à Mena para confirmares a história dela.
_Iá. Vou-lhe ligar. Tou! Mena!
_Ainda te lembras de mim, anjo?
_Claro que me lembro, amor. Mas estou com um problema e tenho que o resolver.
_Eu ajudo-te. Vem ter comigo.
_Não dá. Tenho que o resolver com o Lim.
_Foi por causa do roubo?
_Foi amor, mas não te preocupes que já está quase resolvido.
_Tem cuidado. Não precisas mesmo da minha ajuda?
_Não. Mas diz-me uma coisa, estiveste com o Rui, hoje?
_Encontrei-o e estava tão furiosa que lhe contei que tinhas alugado um apartamento.
_Deixa lá amor, não estou chateado.
_Ainda bem. Estava com medo que te chateasses comigo.
_Está descasada. Adoro-te, mas tenho que desligar.
_Também te adoro, anjo. Liga-me mais tarde.
_Está bem. Beijo.
_Outro para ti.
Desliguei e o Lim estava todo curioso a olhar para mim.
_O Rui está limpo. A história confirma-se.
_Então continuamos sem saber quem são. Temos de lá ir à meia-noite.
_Não devíamos avisar o Pedro? Afinal ele também está no mesmo buraco.
_Tens razão. Vou-lhe ligar.
_Eu acho melhor. Três cabeças pensam melhor do que uma e o Pedro pareceu-me ser um tipo inteligente.
_Já está a chamar. Tou! Pedro?
_ (...)
_Temos que nos encontrar o mais rápido possível.
_ (...)
_ Hoje não dá? Tem que dar, é importantíssimo.
_ (...)
_Amanhã é tarde mais. Tens que estar no Fanicos hoje à noite às dez horas.
_ (...)
_Muda isso para outro dia. Estou à tua espera às dez.
_ (...)
_Não há mas nem meio mas, aparece sem falta à hora combinada.
_ (...)
_Acabou! Não quero ouvir mais nada. Até logo.
O Lim desligou o telemóvel e franziu a testa.
_O gajo não quer vir Lim?
_Diz que tem um trabalho marcado para hoje à noite e que não pode vir.
_O gajo não deve estar a ver bem no que estamos metidos, man. Podias lhe ter dito que estamos prestes a perder toda a massa.
_Não te preocupes que ele aparece. Vamos indo para o Fanicos.
São vinte e duas horas e estamos no Fanicos. Já bebemos quase meia garrafa de whisky e o Pedro ainda não chegou. O Lim está farto de lhe ligar, mas o telemóvel dele está desligado. Será que o tipo não vem? Vou ter que resolver tudo com o Lim? Iremos perder todo o dinheiro da recolha nocturna? Uma série de questões não me saíem da cabeça e o pior de tudo é que acho que algo está errado. Não sei bem o quê, mas algo nesta história não bate certo. O que será?
_Como é miúdo? Estás tão moca que nem me ouves?
_Desculpa lá, Lim. Mas acho que nesta história toda algo não bate certo.
_O que é que não bate certo?
_Não sei, man. Alguma coisa está errada e eu vou descobrir o que é.
_Vê lá se descobres rápido, pois já temos pouco tempo.
_Pensa comigo, man. Para ti quem são os suspeitos?
_Suspeitos?
_Sim. Não desconfias de ninguém?
_Sinceramente? Não. A única pessoa de quem desconfiei foi do Rui, mas como a Mena confirmou a história dele, já não é mais suspeito.
_É, o Rui deixou a lista, mas ainda tenho mais três suspeitos.
_Quem?
_Eu, tu e o Pedro.
_Estás a brincar?
_Não. Eu e tu estamos fora porque estávamos os dois em minha casa quando recebemos a segunda carta, mas o Pedro...
_Já estou a ver a cena. Mas achas que é o Pedro que nos está a tentar passar a perna?
_Tudo encaixa, man. O Pedro sabia da chave e podia a ter tirado ao Gazela no carro à ida para o armazém, afinal iam os dois juntos no banco de trás. Enviou-me as cartas pois sabia que eu ia ter contigo. E até agora não deu mais notícias.
_A tua história é muito bonita, mas estás a esquecer-te que o Pedro não sabia do teu apartamento. Acho que estás na pista errada.
_É verdade, mas ele podia ter-te seguido a ti ou até a mim.
_A mim não me seguiu porque estou sempre atento a essas merdas. E a ti também não porque ele também não sabe onde é a casa dos teus Pais. Esquece miúdo, isto é obra de alguém de fora e de alguém com muitos conhecimentos.
_Talvez, mas eu disse-te logo que não gostava dele, man.
_Estás nervoso demais para pensar nisto.
_Também tens razão. Estou com a minha cabeça muito quente e quero encontrar um culpado a todo o custo.
_Estamos a perder tempo com disparates e ainda temos outro problema.
_Qual?
_Temos que meter os sacos da recolha nocturna na mala do meu carro sem a judite ver e ainda temos que os despistar de alguma maneira.
_Isso é fácil. Não te preocupes e deixa isso comigo.
_O que vais fazer?
_É simples. Saio pela porta da frente, pego no teu carro, dou a volta ao quarteirão e meto o carro pelas traseiras.
_E a judite?
_De certeza que não entram com o carro deles na tua propriedade, por isso podemos carregar os sacos para o carro na boa.
_E depois?
_Depois deixas-me conduzir a mim que eu já sei como os despistar.
_Se tu o dizes, quem sou eu para o desmentir. Vamos a isso.

CAPÍTULO VIII

Capítulo VIII

Começo a me sentir cansado e deito-me na cama. Passam-me pela cabeça os mais estranhos pensamentos. As mais esquisitas recordações. Até que adormeço.
Acordo com alguém a abanar-me. Abro um olho e depois o outro. Estou a ver tudo enevoado. É o baixinho que está à minha frente.
_Levanta-te. Vais sair.
_Vou-me embora?
_Sim, anda.
Saio da cela e regresso para o open space. Olha é o Lim que está ali. Está a falar com um careca de fato.
_Lim. O que aconteceu?
_Anda, vamos embora. O meu advogado tirou-nos daqui.
_Este gente está tola, man. Só falam num roubo que houve num armazém.
_Esquece isso e vem embora.
Saímos da esquadra e o advogado do Lim deixou-nos no Fanicos. O Lim abriu a porta com a chave dele, entrámos e fomos para o balcão. O Lim pegou numa garrafa de whisky e começámos a beber.
_Não é melhor ligarmos aos outros, Lim?
_Tens razão. Vou ligar ao Filipe.
Pegou no telefone do café, ligou o alta voz e marcou o numero do Filipe.
_Tou! Filipe.
_Sim Lim. Diz.
_Onde estão vocês? Já são duas e meia.
_Estamos ainda no pinhal. Está quase acabado. Tivemos uma sorte danada. Imagina só que encontrámos um buracão enorme com dois metros de profundidade. Metemos o gajo lá dentro e foi só enchê-lo de terra. O Pedro já está a queimar o mato. Tenho que ir, ainda temos que ir ao parque subterrâneo.
_Venham ter depois aqui ao Fanicos.
_Até já!
Enquanto que o Lim falava ao telefone enrolei mais um. Estávamos a precisar de passar o tempo com alguma paz e sossego. Agora sim. Posso imaginar o Pedro e o Filipe a enterrarem o Gazela. Depois a deitar fogo ao mato. As labaredas estão a crescer cada vez mais. Já ardem árvores inteiras. Lindo. O Pedro e o Filipe já arrancaram para o parque subterrâneo. Lá vão eles a caminho, a curtirem um pico a ouvir GNR, “Dunas”.
Chegam ao parque subterrâneo, tiram o bilhete e entram. Estacionam perto da Opel Astra do Filipe. Trocam os bilhetes, trancam a Nissan e saem na Opel Astra. Iá, tudo como combinado. Não tarda estão aqui a chegar.
Ouvimos um barulho de vozes e abre-se a porta.
_Primo está tudo OK.
_Correu tudo como planeado?
_Podes crer. Deixa-me só lavar as mãos que estão cheias de terra. Não queres lavar também Filipe?
_Boa é mesmo isso.
Vão os dois para a casa de banho e eu fico a olhar para o Lim.
_Que queres miúdo?
_Onde vamos pôr o dinheiro? Não pode ficar aqui.
_Não queres levá-lo para o teu apartamento?
_Não sei, man. A coisa não está fácil.
_O quê?
_Eu, tu e o teu primo não podemos ficar com o dinheiro. Eu e tu somos suspeitos e o teu primo está a dormir em tua casa.
_Pode o Pedro.
_Não confio nele, man. Não o conheço de lado nenhum.
_Se o escolhi é porque é de confiança.
_Pode até ser, mas o que queres man? Não sei, há ali qualquer coisa.
_Achas? Já o conheço à alguns anos, já entrámos em montes de golpes e ele nunca deu a mínima bandeira. Acho que podemos confiar nele.
Os dois coveiros saem da casa de banho e tornam-se a juntar a nós à beira do balcão. Bebemos uns copos, combinámos deixar o dinheiro na cave do Fanicos num alçapão secreto e fomos buscar o dinheiro à sala. Carregámos todos os sacos para o alçapão secreto e o Filipe arrancou com o Pedro. O Lim deixou-me à porta da casa da Mena e foi-se embora.
São três e meia da manhã. Pego no meu telemóvel e ligo para a Mena.
_Tou! Mena!
_ Tou! Anjo onde estás? Que horas são?
_São três e meia, Paixão. Estou à tua porta.
Vejo-a a espreitar pela porta da varanda e digo-lhe adeus. Ainda está vestida, fixe.
_Espera que eu já desço.
Não foi preciso esperar muito, em segundos sai pela porta da frente e começa a correr na minha direcção. Beijámo-nos e abraçámo-nos.
_Anda para o meu carro.
Entrámos no carocha e ficámos a olhar um para o outro. Eu comecei a enrolar um e pensei para mim que não sabia o que dizer. Era óbvio que gostava dela. Mas, contar a verdade? Não sei se sou capaz.
_Não digas nada que te possas vir a arrepender.
_O quê Mena?
_Pensa bem no que vais dizer. Conta-me apenas a verdade, anjo. Já está tudo bem?
_O que estás a dizer?
_Estou a perguntar se a coisa não se complicou depois de fugirem.
Caiu-me tudo, até me engasguei com o fumo. Como era possível ela saber?
_Depois de fugirmos?
_Sim. Depois de fugirem. Já passou muito tempo o que estiveram a fazer até agora?
_O que dizes?
_Podes contar-me a verdade, anjo. Eu vi tudo.
Cada vez acho mais incrível. O que se está a passar? Como pode ela saber da fuga? Ela diz que viu tudo. Tudo o quê? Ela não estava lá, aliás eu vi muito bem que ninguém nos seguiu. Tenho de lhe perguntar o que viu.
_Viste tudo o quê?
_O assalto. A fuga. E depois mais nada. Eram quatro. Parecia um armazém.
_Mas ... como?
_Lembras-te de eu te dizer que quando fumávamos em locais diferentes, que se eu soubesse que tu estavas a fumar era como se estivéssemos juntos?
_Sim e daí?
_Pela primeira vez aconteceu. Foi como se estivesse à tua beira, mas mais que isso, foi como se estivesse dentro de ti. Consegui ver tudo.
_Aquela voz que ouvi antes do carro pegar foi a tua.
_Não sei como, mas consegui falar contigo e depois abri os olhos e estava no meu quarto.
Não podia acreditar no que estava a ouvir. Parecia coisa do outro mundo. Será que ela estava moca outra vez e começou a inventar tudo? Não. Ela viu mesmo a cena toda. Que estranho. Agora é que estava a associar as peças. Espera aí. Se ela só viu até à fuga não sabe do Gazela. Nem pode saber.
_Que cena, Paixão.
_Podes crer. Estranho não é? Conta-me o que aconteceu depois, anjo.
_Nada de especial. Estivemos a fazer tempo no Fanicos e foi cada um para a sua casa.
_A sério? Não aconteceu mais nada?
_Não, podes estar descansada.
Estivemos a curtir um bocado dentro do carro e ela trouxe-me a casa. Despedimo-nos, ela foi-se embora e eu entrei. Fui para o meu quarto, despi-me, vesti o pijama, liguei o despertador e deitei-me na cama.
Fecho os olhos e começo a recordar a noite de hoje. Que noite mais doida, mais estranha e mais perigosa que eu alguma vez tinha passado. Espera aí esquecemo-nos de uma merda. Ainda há uma prova que nos pode incriminar. Isso mesmo. Grande merda. E se o Gazela perdeu a chave dentro do armazém? Se a judite a encontrar pode chegar até ao carro do Lim. Está certo que para todos os efeitos o carro estava parado no parque na altura do roubo. Mas como ninguém viu o carro em que fomos, podem na mesma incriminar o Lim. Ele não consegue explicar como é que a chave dele foi aparecer dentro do armazém. O melhor é ligar ao Lim.
Ligo para ele, mas o telemóvel está desligado.
O melhor é ligar-lhe amanhã de manhã, o mais cedo possível. Também tenho que descansar um pouco e já é muito tarde. É isso mesmo, mais vale dormir um bocado.
9:00h – Casa dos meus Pais
Pipipipi! Pipipipi! Com um gesto rápido desligo o despertador. E permaneço deitado sem abrir os olhos. Começo a lembrar-me daquela cena da chave que o Gazela perdeu. Iá, tenho que avisar o Lim.
Marco o número dele, mas o telemóvel continua desligado. Porreiro. Vou dormir mais uma horinha para ficar fresquinho. Torno a ligar o despertador e volto a adormecer.
Pipipipi! Pipipipi! Zau! Já está desligado. Abro os olhos e sento-me na cama. Olho à minha volta e regresso ao Mundo. Tenho de ligar ao Lim.
_Tou! Lim?
_Como é?
_Tá-se bem, man.
_A que horas em tua casa?
_O mais rápido possível. Pode haver merda.
_Merda? Onde?
_Falámos em minha casa, man. Dá-me uma hora.
_Até já.
Tomo um banho e vou para o meu apartamento. Tocam à campainha e entra o Lim.
_Então miúdo? O que se passa?
_A chave man! E se o Gazela perdeu a chave no armazém?
_A chave!
Dá uma palmada na testa e eu consigo ver a expressão dele a mudar. Começa a franzir a testa e a olhar para cima, para o lado esquerdo.
_Então Lim?
_Tens razão. Se a encontrarem perto ou dentro do armazém, vão chegar até mim facilmente. Temos que nos informar do que descobriram até agora.
_Espera aí que eu vou à caixa do correio buscar o jornal.
_Também vou ligar a televisão nas notícias.
Saio, vou à caixa do correio e vejo um jornal e uma carta sem remetente. Volto para a sala. O Lim meteu o CD da Dido e já enrolou um.
_Já deu nas notícias? Aqui no jornal não tem grande coisa, man.
_Toma segura. Parece que recolhemos três milhões e quinhentos mil euros.
_Três milhões e quinhentos mil? Iá.
_Mas não têm nenhuma pista, ainda.
_E agora, man? Voltamos lá?
_Na hora do almoço vamos ver se encontrámos alguma coisa no esterior. Depois logo se vê.
Iá. Ainda era tão cedo. Dá perfeitamente para ficar a curtir no sofá. O som está super-fixe, a moca a bater bué e sinto-me a relaxar um bocado.
Por volta da uma da tarde vamos no carro do Lim até ao parque industrial. Paramos exactamente onde tínhamos deixado o carro na noite anterior. Saímos e começamos a caminhar à procura da maldita chave.
_Ainda não vi nada, Lim.
_Não olhes para ninguém nos olhos. Olha só para o chão.
Continuamos a procurar, mas nada. Nada. Voltamos para o carro um bocado desiludidos. A única coisa que nos alegrava era o facto de saber que a judite ainda não tinha encontrado nada também.
O Lim deixa-me à porta da universidade e eu saio.
_Eu depois ligo-te, man.
_Adeus.
Lá estava a Mena de novo com a insuportável da Lena.
_Olha, olha. Cá está ele de novo.
_Olá anjo.
_Mena estás fixe?
_Então lindinho da mamã? Voltaste?
_Lena olá e adeus. Vamos amor?
_Vamos. Adeus Lena. Eu depois ligo-te.
_Adeus.
Agarramos na mão um do outro e começamos a caminhar para o Mc Donald´s.
Quando saímos demos um beijo e ela foi para o centro de explicações que era mesmo ao lado. Era lá que ela dava explicações de matemática a alunos do décimo segundo ano.
E eu? Vou para o Fanicos.
Entro e lá está o Rui na mesa do costume.
_Então Rui?
_Então pá?
_Que contas man?
_Pá nem te digo. Parece que houve um roubo ontem à noite e que o Lim esteve envolvido nisso.
_Quem te disse isso?
_Sabes pá, o meu tio Gusto trabalha no armazém que foi roubado ontem e ouviu dizer que ontem à noite o Lim foi interrogado pela pê jota.
_A sério? E que mais?
_Sabem quantas pessoas eram e que perderam alguma coisa.
_E como?
_Tinham instalado há pouco tempo uma câmara para o exterior e conseguiram ver na única filmagem que escapou ilesa que eles procuravam alguma coisa no chão.
_E os tipos? Conseguiram identificar algum?
_Não pá. Infelizmente estava demasiado escuro e com os gajos de preto e todos encapuchados, era impossível
_E agora? O que está a judite a fazer?
_Eles já sabem bué, pá.
_Conta-me tudo man.
O Rui contou-me que começaram por desconfiar que devia ser por intermédio de alguém de dentro que eles conseguiram entrar. Ou então por intermédio de alguém que tivesse trabalhado lá recentemente. Foi quando descobriram que só tinham rescindido contrato dois tipos no passado mais recente. Um deles era um velhote que está internado no hospital. Estava fora de hipótese. O outro era o pobre do Gazela. A judite já tinha ido há casa do Gazela e tinha encontrado lá os planos. E ainda para mais a Mãe dele disse-lhes que o Gazela tinha dito que nessa noite ia para o Fanicos e que chegava tarde.
Neste momento estão a passar o armazém a pente fino à procura de alguma pista que incrimine o Lim. E também estão à procura do Gazela, pois até agora ainda ninguém teve notícias dele.
_Que cena, man.
_Podes crer pá. Parece que o plano era algo de fabuloso, a pê jota disse que nunca tinha visto nada assim, pá.
_Espectacular man. Olha, o Lim está cá?
_Ainda não o vi, pá.
_Vou ver se ele está lá dentro. Até já.
_Até já.
Fui para a sala ao lado e o Lim não estava. Foi quando reparei que a porta do quarto estava fechada. Bati à porta e como não havia resposta, entrei. Merda. O Lim não estava aqui também. Tinha que lhe ligar.
_Tou! Lim!
_Tou!
_Onde estás, man? Tenho uma cena para te contar, man.
_Não posso. Agora não. Mal possa eu ligo-te.
_Olha que é ...
Desligou-me na cara. Era primeira vez que o Lim me desligava o telefona na cara. Devia se estar a passar alguma coisa. O quê? A judite? E agora? Só posso esperar que ele me ligue. Vou para o meu apartamento. Iá. Bebo um copo, enrolo um e relaxo até ao Lim me ligar.

quarta-feira, outubro 05, 2005

CAPÍTULO VII

Capítulo VII


De repente entra na sala um tipo muito parecido com o Lim. Era o Filipe, o primo dele. A única grande diferença era a cor do cabelo. O Filipe tinha um louro oxigenado.
_Como é? Que estão aqui a fazer?
_Tu és doido Fil? Não te disse para não vires para aqui?
_Não. Tu disseste-me para não ir para lado nenhum a não ser para aqui.
_Burro! Eu disse-te exactamente o contrário. Só não podias vir para aqui. Agora não há nada a fazer. Senta-te e cala-te. Mais uma merda para resolvermos.
_Alguém cortou-se está aqui um punhal cheio de sangue. Merda! O que é isto?
Deu um salto mal viu o Gazela estendido. Já com uma pequena poça de sangue junto da garganta.
_Tem calma Fil. A gente já te explica.
_E quem é este preto que eu não conheço?
_É o Pedro. Um amigo meu. Pedro, este é o Filipe, o meu primo. Aquele já o conheces.
_Tás fixe man? Já não te via à bué.
_Tá tudo. Alguém quer me dizer o que se passa aqui?
_Senta-te Fil. Isto é muito simples. Temos aqui um cadáver, a judite lá dentro no bar e o resultado da receita nocturna aqui dentro.
_Tás a brincar. A judite está lá dentro?
_Claro. Porque é que achas que te deixei trazer o meu carro e a minha roupa?
_Tu tás a brincar, de certeza. Já pensas-te que eu podia ter sido apanhado nalguma cena? Se vou vender cena ou isso?
_Desculpa Fil. Tens razão, não tinha pensado nisso. Podia ter feito das boas. E pensando bem, fiz. A judite está lá dentro e eu tenho de lá ir.
_É melhor man. Convinha que eles te vissem.
O Filipe e o Lim trocam de roupa e eu e o Lim entrámos para o café. O Lim vai para detrás do balcão e eu sento-me meio de lado nos bancos junto dele. Lá estão os dois agentes, sentados numa mesa com duas cervejas e um pratinho de tremoços. Um deles, o mais baixo, está a falar ao telemóvel, mas não consigo ouvir direito o que ele diz. O outro está a ler uma revista, mas também não consigo ver bem qual é.
_Do mal o menos, man. A judite juraria que tu estiveste sempre cá. Arranjaste o teu alibi.
_Não sei puto. Eles já não me vêem há muito tempo e como não te viram chegar podem perfeitamente pensar que eu saí pelas traseiras e depois que tu chegaste comigo.
_Pois é. Que cena, man. Achas que demos bandeira?
_Vamos ter de esperar.
Um dos agentes, o baixinho, levanta-se. Agora consigo ver que está vestido com um fato perfeitamente vulgar. Depois levanta-se o outro. Este é bem mais alto. Deve ter para aí a altura do Lim e está vestido com um fato igual ao do outro. Começam a caminhar na nossa direcção e sentam-se ao meu lado. O baixinho é o homem das falas o outro está calado com um sorriso cínico.
_Boa noite, meus senhores. Polícia judiciária.
_Boa noite. Há algum problema senhor agente? Algo com as bebidas?
_Não esteja descansado que fomos muito bem servidos. Apenas gostaríamos de lhe fazer uma ou duas perguntas.
_Estejam à vontade senhores agentes. O que se passa?
Era incrível a frieza que o Lim mantinha enquanto falava com a judite. O que será que lhe iriam perguntar? Será que me iam fazer perguntas também? Espero que não, pois estou a sentir-me super-nervoso e sinto os meus olhos vermelhos a chorar devido ao fumo.
_Gostávamos que nos respondesse ás perguntas na esquadra. Não se importa de nos acompanhar?
_Importar importo-me, mas posso lhes facilitar a coisa.
_Como assim?
_Vou convosco se me adiantarem alguma coisa antes, pois não faço a mínima ideia do que se está a passar.
_Só queremos saber onde é que esteve ao certo esta noite e isto também se aplica a si.
O agente está a apontar um dedo para mim. Merda! Passei a suspeito. Se soubesse tinha ficado lá dentro com o resto do pessoal.
_Querem que eu também vá à esquadra?
_Sim. Os dois. Não se importam, pois não? Não têm nada a esconder, não é assim?
O Lim olha para mim e pisca-me o olho.
_É claro que vamos os dois. Vai ser divertido.
_Fala por ti man. A minha namorada está à minha espera.
_Deixa-te de coisas puto. Vens comigo senão nunca mais nos livramos destes tipos.
_Estes tipos têm nome, Limpo. Eu sou o agente Britos e este é o agente Leão. Já nos conheces e podes tratar-nos pelo nosso nome.
_Desculpa Britos, foi sem querer. Estou a ver que o Leão continua sem rugido.
O agente Leão cerra os punhos, dá um murro em cima do balcão e ouve-se uma voz num tom feroz. Parecia mesmo o rugido de um leão.
_Deixem-se de merdas e vamos já embora. A bem ou a mal vão connosco.
_ Tem calma Leão. Deixa-nos só ir lá dentro buscar os nossos casacos.
Entramos para a sala ao lado e eu fechei a porta. Os outro estavam todos um pouco assustados e o Lim sugeriu que enquanto nós fossemos à esquadra eles deveriam se livrar do corpo do Gazela, da Nissan e colocar o dinheiro num lugar seguro. Sim, porque o café podia ser revistado de um momento para o outro.
_Primo! Onde é que nós vamos esconder o corpo e a Nissan?
_O corpo é fácil. Levam-no para o pinhal, enterrem-no bem fundo e depois pegam fogo ao pinhal.
_E a Nissan?
_Pedro. A Nissan podes levá-la para o sítio combinado da fuga dois.
_Iá man. Não estudaste o plano?
_Tens razão. A Nissan tem de ir para o parque subterrâneo.
Porquê o parque subterrâneo? O Lim sabe o que faz. Por volta das sete horas da tarde pediu ao Filipe para deixar a Opel Astra dele no parque subterrâneo, ou seja, tirou um bilhete na entrada e deixou lá a carrinha dele. Agora só têm que entrar com a Nissan, tirar outro bilhete e trocá-los. Depois saem no carro do Filipe e a Nissan está isenta de tudo, pois esteve sempre estacionada no parque. Genial, não?
Começam a bater à porta. Merda! É a judite.
_Estamos a sair! Anda Lim.
_Pessoal façam tudo bem feito. Boa sorte!
Saímos do café e fomos com a judite no carro deles para a esquadra. Era a primeira vez que lá ía. O que me vale é que já não tenha cena comigo e a moca também já me passou. Fixe, assim já não dou bandeira.
Entramos na esquadra e os bófias começam a olhar-nos de alto a baixo. Alguns até cumprimentavam o Lim. Levaram-nos para salas separadas para nos interrogarem. Para aquelas salas que só têm duas cadeiras, uma mesa, uma porta e um espelho daqueles que toda gente sabe que é janela do outro lado. Sentei-me virado para o lado que tinha o espelho e comecei a fazer caretas. Passados alguns minutos entra o agente Britos na sala.
_Estava a ver que não vinha ninguém man.
_Peço desculpa pela demora mas estive a resolver uns problemas.
_Então. Que quer saber?
_Vou ser muito sincero consigo. O Limpo já confessou tudo.
_Já sabem tudo o quê? Não sei do que está a falar.
_Do armazém 117. Do roubo e onde está o dinheiro.
Olha-me para este. Pensa que eu nasci ontem. O Lim confessar. Boa piada.
_Houve um roubo? E depois?
_O Limpo já confessou, pá. Conta-me lá como tudo se passou.
_Olhe senhor agente, não sei sobre roubo nenhum, não sei o que o Lim lhe disse, mas sei que eu e o Lim estivemos juntos toda a noite no café.
_Então diz-me como é que não te vimos chegar ao café? Estivemos lá desde que o Limpo chegou. És invisível? É?
_Tire o dedinho por favor. Como era possível vocês me verem chegar se eu cheguei ao café antes do Lim? Senhor agente, por favor tenha dó de mim.
_O que quer dizer que se chegamos ao café ás onze menos dez e só vimos o Limpo de novo à uma menos dez, vocês estiveram a fazer o quê durante duas horas?
_Senhor agente por favor. Basta olhar para os meus olhos. O que acha que estivemos a fazer? Estivemos a curtir é claro.
_Queres que eu acredite que estiveram duas horas a fumar charros e a curtir?
_Mas não estivemos a fazer mais nada. Foi só isso.
_Cala-te! Fica aí que eu já volto.
Sai todo apressado e bate com a porta. De certeza que o Lim iria contar a mesma história. Tanto ele como eu somos muito manhosos. E inteligentes também. Eu acho que de certa maneira nós nos completámos. Não tarda nada vamos sair os dois pela porta com ares triunfantes.
Abre-se a porta e entra de novo o baixinho. Senta-se e começa a sorrir. Eu também sorrio para ele e ele pára de sorrir. Olha-me fixamente nos olhos sem pestanejar. A sua expressão é cada vez mais séria.
Será que o tipo está à espera que eu diga alguma coisa? Ou então não bate bem da carola. Iá, que doido. O tipo está tolo.
Levanta-se de repente e começa-se a aproximar de mim. Debruçado sobre a mesa começa a chegar perto do meu nariz com o dele. Pára antes de me tocar com a ponta do nariz e continua a olhar-me fixamente nos olhos.
_Acabou! Vais para uma cela até me confessares a verdade. O Limpo já confessou e já está enjaulado de vez.
_Atenção que eu tenho direitos. Quero fazer um telefonema.
_Não há telefonema nenhum. A nossa central telefónica está avariada.
_Não há problema senhor agente, tenho aqui o meu telemóvel. Não me importo de o usar.
_Está bem. Mas só um.
E agora? A quem ligo? Ao meu Pai? À Mena? Ao Rui? Iá, se calhar é o melhor para ligar. Ele vem cá e paga a minha fiança. Isto se tiver fiança. Não. O melhor é telefonar ao meu Pai, pois pode ser necessário um advogado para me tirar daqui.
Ligo para o telemóvel do meu Pai. Que cena está desligado.
_Senhor agente o telemóvel do meu Pai estava desligado. Vou telefonar para o fixo da minha casa.
_Nem pensar. Entregue-me imediatamente o telemóvel. Só tinha direito a um telefonema. Azar! Podia ter acontecido a qualquer um.
Entrego o meu telemóvel ao agente e ele encaminha-me possivelmente para uma cela. Saímos da sala onde estávamos, passámos por um corredor e chegámos a um open space. Estão montes de secretárias e uns tantos agentes. Estão todos a olhar para mim, a pensarem que eu sou um criminoso, que por acaso até sou, que mereço ser condenado e enjaulado. Entramos agora num outro corredor com duas grades. Um polícia gordo abre-nos as grades para nós passarmos. Passámos mais uma porta e chegámos a ma caixa de escadas. Começámos a subir as escadas e entramos no corredor das celas. De repente o baixinho pára e abre uma cela.
_Podes entrar. Amanhã fazemos o teu registo.
_Ligue para minha casa por favor. Avise o meu Pai.
_Podes estar descansado. Há! Há! Há! Boa noite!
Fechou-me a cela e desapareceu. Ouço agora uma porta fechar. O barulho da chave a rodar na fechadura. Olho à minha volta e vejo uma cama já desfeita, uma sanita sem tampa e um lavatório todo ferrugento.Que nojo! Ao menos tem papel. Onde estará o Lim? Será que também está preso? Será que só eu é que fui preso? E agora?

CAPÍTULO VI

Capítulo VI

22:55h – Parque Industrial

_Pessoal! Atenção! Cumpram apenas o plano e sobretudo não façam disparates.
_Bora lá! Estamos em cima da hora.
O Lim entregou a cada um de nós um daqueles mini-rádios Motorola e duas armas. Um punhal para colocarmos na perna e um pistola automática para pormos à cinta. Colocámos todos um capuz preto e eles saem do carro. No meio do pouco nevoeiro, por cima da calçada meio baça, vejo-os a atravessarem a rua para junto do armazém.
Boa altura para enrolar outro e descontrair ao som de Thievery Corporation. Iá. Loucura total.
Esta é a parte que eu mais curto. A imaginação a funcionar. Imaginar o que se está a passar lá dentro. Mais do que imaginar, visualizar. Isso mesmo. Visualizar, acompanhar todos movimentos, todas as acções e toda a situação. E o melhor de tudo é saber que estou com a moca. A curtir toda a situação.
Mudo de CD. Placebo, “Special K”.
Claquetes!
Acção!
Estou a ver os três a entrarem no armazém. Completamente vestidos de negro. O Lim vai à frente. Diz aos outros para avançarem. Está um guarda sentado numa cadeira de madeira, com os pés apoiados em cima da secretária, também ela de madeira. Está a ler o jornal. O Lim avança para ele com a pistola em punho e diz-lhe para ele não se mexer e não falar. O guarda assusta-se e quase cai ao chão. O Gazela intromete-se e diz-lhe que é um assalto. O guarda rende-se e eles prendem-lhe os pés e as mãos atrás das costas com fita adesiva negra. Agora estão a amordaçá-lo e deixam-no no chão. O Gazela vai para a secretária do guarda e desliga o rádio dele, pois sabe que era normal este guarda esquecer-se de o ligar e assim os outros não achariam estranho.
O Pedro tranca a porta da frente com a cópia da chave que o Gazela tinha conseguido quando trabalhou lá. Avança para junto do Lim e caminham os dois para a porta que separa a portaria da área dos escritórios.
Iá. Um guarda apanhado! Tudo a correr OK! Não está a falhar nada.
Eis que o meu telemóvel começa a tocar. Olho para o visor e vejo que é a Mena.
_Merda só me faltava mais esta. Foi só pensar que estava tudo a correr bem que acontece logo merda.
Ligo o carro. Ela vai ouvir o barulho do carro e eu posso lhe dizer que estou em viagem com os meus Pais.
_Tou Mena?
_Olá anjo! Onde estás? Precisámos de conversar.
_Estou com os meus Pais. Vamos buscar o César. Eu já te tinha dito.
_Então fazemos assim: quando chegares, não interessa a que horas, liga-me e vamos ter os dois a algum lado.
_Hoje não posso. Tenho que estar com o meu primo.
_É mais importante do que nós, o teu primo?
_Não amor, mas o rapaz já não está comigo há 2 meses. E eu também tenho saudades dele.
_Pois então só te digo que se hoje ...
_Hoje?
_Sim! Hoje! Se não vieres ter comigo, acredita que nunca mais me pões a vista em cima. Aceito a bolsa de estudo para Londres.
_Mena! Não podes fazer isso. É injusto.
_Já te disse e não repito.
_Mas, Mena.
_Adeus anjo.
Desligou! Não acredito. Agora é que foram elas. O que vou fazer agora? Não posso largar os rapazes, mas também tenho que ir ter com ela. Ora bem! Se a recolha nocturna termina à meia-noite e meia e se ela disse que podia ser a qualquer hora, então não tenho que me preocupar mais com isto. Sim já está resolvido por si mesmo. Vamos mas é ver onde estarão os rapazes.
São onze e dez. Já estão no escritório e já anularam mais dois guardas. O Gazela já foi desligar os sensores e o alarme principal do cofre. Conseguem agora ver pelas pequenas televisões os outros dois guardas há porta do cofre. O Pedro avança com o Lim para a porta que os separam dos outros dois guardas. O Gazela olha para as televisões e diz-lhes as posições dos dois guardas. Eles entram e facilmente tomam conta da situação.
O Gazela fica nos escritórios pois ás onze e meia vão ligar da central de segurança e ele tem que dar os códigos. Só aí é que começam a arrombar o cofre pois se o Gazela der os códigos errados, temos que interromper a recolha.
Toca o telefone. O Gazela atende e dá os códigos. Silêncio. Não há resposta. O Lim e o Pedro começam a encaminhar-se para a entrada. Estão os três a suar. Continua a não haver resposta. Vamos ter de abortar. Volto a ligar o carro para não perdermos tempo. Olho para a porta da entrada porque eles devem estar a sair a qualquer momento.
Felizmente ninguém saiu. Yes! Quer dizer que não foi necessário o plano de fuga número um. Os rapazes não sofreram nada. Os códigos foram aceites e eles começam a arrombar a porta do cofre. O Pedro é o especialista naquelas cenas de rodar. Encosta o ouvido à porta e começa a rodar as cenas. Roda para um lado e para o outro. Já conseguiu um. Passado uns minutos já estão mais dois. Só falta um. Conseguiu. O Pedro já acabou a sua especialidade. Está na vez de entrar outro.
Entra em cena o Lim. Um dos seus hobbies é ser pirata informático. Consegue quebrar qualquer password. Esta é também uma das razões pela qual a judite o persegue. Conta-se que ele entrou pela internet no computador do Banco de Portugal e retirou para uma conta na Suiça uma pipa de massa.
O Lim abre uma tampinha da porta do cofre onde estavam os botões de código digital e retira os fios para fora. Une os fios que saem do cofre ao seu mini-computador e liga-se à internet.
Como ele o faz? Não sei. Acreditem. Mas, segundo dizem, corre uma data de sites de amigos piratas e passado meia hora já tem os códigos na mão. Desliga o seu mini-computador e torna a ligar os fios do cofre. Fecha a tampinha e digita o código conseguido. Roda o fecho e ... Click! Está aberta a porta. Agora é só encher os sacos do lixo com o dinheiro e pirarmo-nos daqui.
Vocês fazem ideia da quantidade de notas que são cinco milhões de euros? Eu acho que deve ser bué. Deixa ver ... cinco milhões de euros a dividir por quinhentos ... dá ... dez mil notas de quinhentos euros. É muita merda. Quantos sacos serão necessários? Uns vinte? Sei lá. Nem me interessa. Eu quero é o meu dinheiro.
Lá estão eles a encher os sacos com a massa. É só dinheiro a voar. Lindo... notas ... de dquinhentas brasas. Saco pós saco enchem eles com as notas. Que espectáculo! O Lim a segurar num e o Pedro e o Gazela a carregarem maços de notas para dentro dele.
Começa a tocar o telefone. O Gazela caminha para lá e responde o código. Faz-se silêncio.
Neste preciso momento estou a ouvir Morcheeba, “World looking in”. Acho que estou a viver o momento que eles estão a viver.
Um silêncio de ensurdecer ... de arrepiar ... de fazer gelar o mais quente dos homens. Começam a tremer. Depois a suar. E finalmente a se aterrorizar. O código estava mal! Merda! Temos que fugir!
Primeiro, pegar no máximo de sacos. Depois sair a toda a velocidade, o mais rápido possível. Vejo-os a correr com ares aterradores, de arrepiar. Correm o mais rápido que podem. Carregando vários sacos cada um. O Lim vem à frente, depois o Pedro e por ultimo o Gazela. Estão a chegar à porta e vão sair.
Abro os olhos e vejo a porta do armazém a abrir. O Lim está a gritar qualquer coisa. Merda fomos apanhados!
_Prepara para arrancar!!
_Já está Lim!!
_Abre a merda da mala!!
_O Gazela é que tem a chave da mala!!
_Eu não tenho chave nenhuma!! O Pedro é que a debe ter!!
_Não, no plano diz que se o Gazela perder a chave podemos utilizar as que estão na ignição.
Começa-se a ouvir o som de sirenes a aproximar. Merda o que me está a acontecer? Pega na chave man. Mas para isso tenho que desligar o carro. E depois? Desliga man estás parvo ou quê? Desligo o carro e atiro o porta-chaves para o Gazela. As chaves batem-lhe na cara e caem para debaixo da Nissan. O Gazela cai ao chão agarrado aos olhos.
_Merda. Acertou-me nos olhos. Não consigo ber nada.
O Lim abaixa-se e apanha o porta-chaves. Atira-o para o Pedro para ele abrir a mala.
_Abre a mala Pedro!! Rápido!!
_Já está!!
Começam a carregar a mala com os sacos e o Gazela continua no chão agarrado aos olhos e a gemer.
_Merda! Só a mim. Não consigo abrir os olhos.
_Tem calma man!! Eles já te ajudam a entrar!!
Acabam de carregar o carro, fecham a mala e vão ajudar o Gazela. Entram e eu ponho a chave na ignição. Rodo a chave e o carro não pega. Rodo outra vez e nada.
_Liga o carro rápido!! Já se oubem as sirenes bem perto!!
_Não quer pegar!! Pega!! Merda!! Pega!!
Vou rodando as chaves e o carro não pega. As sirenes já sufocam e consigo ver luzes lá ao fundo. Torno a rodar as chaves e o barulho de motor a morrer começa a ficar cada vez mais repetitivo. Até que ouço uma voz lá de trás.
_És o melhor arranca!!
Não sei se foi o Pedro ou o Gazela, aliás a voz nem parecia de nenhum deles, mas o certo é que resultou. Rodo as chaves e o carro pega.
_Bamos fugir!! Bora Lá!!
O Lim pega no CD de fugas e começamos a curtir um som de Queen´s, “Under Pressure”. Era mesmo isso, sobre pressão. O Lim gostava de nos ver assim. Ele dizia sempre que os melhores momentos que viveu foram sobre pressões em fugas. Momentos de pura adrenalina. De arrebentar qualquer coisa.
Vamos a cinquenta. Não posso chamar a atenção de ninguém para nós. Assim ninguém se vai lembrar de nos terem visto. É perfeito. E eu sou muito bom, mesmo sobre pressão. Olho pelo retrovisor e vejo as luzes dos carros da polícia a chegarem ao armazém. Ninguém vem atrás.
_Fixe. Não bem ninguém atrás de nós.
_Era mesmo isso que eu ía falar man. Tiraste-me as palavras da boca.
_Eu tirava-te era os dentes palhaço!
_Tem calma Pedro. Quem manda aqui ainda sou eu. Todos nós vimos o que aconteceu. Ele não teve culpa nenhuma. O carro não pegava.
_Mais tarde tiramos isso a limpo Lim.
_Para onde vamos agora, Lim? É para o Fanicos não é man?
_Estou a ver que estudaste o plano de fuga dois.
_Eu disse-te que era canja man.
Fomos para o Fanicos e parei a Nissan nas traseiras. Saímos todos e começámos a levar os sacos para dentro.
_Pedro agarra é o último. Bamos entrar e curtir!!
Entrámos e sentámo-nos à volta de uma mesa. O Lim colocou um copo a cada um e abriu uma garrafa de Vodka.
Boa! Vamos curtir bué. Espera aí ... ainda tenho um problema chamado Mena. Não posso ficar aqui muito tempo. Tenho de arranjar uma maneira de vazar daqui.
_Bebam à vontade pessoal. Hoje é por conta da casa.
_Boa Lim! Pedro manda a bodka para aqui.
_Toma lá Gazela. A tua pronuncia não engana ninguém, és mesmo de Braga.
_Tens problemas com isso meu?
_Com isso não pá. Mas com o facto de teres disfarçado para não carregares com os sacos. Aí é que o caso muda de figura.
_O que estás a insinuar meu?
_Pessoal tenham calma. Não quero confusões dentro do meu café.
_O Pedro tem razão Gazela. Já não te doem os olhos man?
_Então Gazela? Não dizes nada?
É verdade. Nem me tinha apercebido disso. Quando é que ele começou a ver? Deixa cá ver ... Já sei. Foi a partir do momento em que saiu do carro quando chegamos aqui ao café. Malandro.
_Por minha parte só te desculpo se enrolares um man.
_Puto pára com isso! Gazela, neste momento ... neste preciso momento ... só me apetece ... dar cabo de ti. Anormal!
Ao mesmo tempo que o Lim diz isto, dá um pontapé na mesa. Os copos entornam-se, a garrafa cai em cima da mesa e rola para o chão. Trás. Parte-se no chão. A mesa bate no pobre do Gazela que se desequilibra e cai de costas no chão. O Lim salta para cima da mesa e depois para cima do Gazela. Até que cai sentado em cima dele.
_Lim! Pára! Estás a magoar-me!
_Eu vou é dar cabo de ti.
Vejo o Lim a sacar o punhal da perna e a encostar à garganta do Gazela. O Pedro arranca para eles e agarra o braço do Lim.
_Estás doido Lim? Solta o rapaz!
_Eu vou ensiná-lo a nunca mais fazer merda.
_Larga-me meu.
_Ajuda-me. Não consigo segurar o braço dele.
Eu não me mexo. Não percebo porquê. Algo me impede. Será o facto de achar que o Pedro tem cabedal suficiente para o Lim? Será que quero que o Lim dê cabo do Gazela para ficarmos com mais? De certeza que não trouxeram os cinco milhões e a dividir por quatro cai mais a cada um.
Zás! A garganta do Gazela parece uma fonte de sangue. Ainda o ouço a emitir um som tipo um gargarejo. Até que ... Pimba! Cai no chão. Não se mexe mais. Está morto. Silêncio. Nenhum de nós emite qualquer som. O Gazela já não está entre nós. O Lim acabou com ele. E continua um silêncio de morte. Até que o Pedro toma a iniciativa.
_Vamo-nos sentar todos para acalmarmos os ânimos.
Sentamo-nos e comecei a enrolar um. O Pedro bebia os restos de todos os copos que estavam na mesa. O Lim sentou-se e pousou a faca ensanguentada em cima da mesa. Pôs as mãos na cabeça e pousou os cotovelos em cima da mesa.
_Não sei o que me deu.
_Mataste o gajo man.
_Não sei o que dizer. Foi mais forte que eu. Comecei a pensar que o gajo esteve o tempo todo a gozar connosco e que podíamos ter sido apanhados por causa dele. Não sei. Não entendo. Não me consegui conter.
_O que está feito, está feito. Vamos é livramo-nos do corpo. Eu também não gostava muito dele.
_Não digas isso Pedro. O Gazela era fixe man. Lim, o que vamos fazer agora?
_Tenho que me acalmar. Deixa cá ver.
Levantou-se, pegou numa garrafa de whisky e começou a beber. Eu já estava meio tonto.
_Queres Pedro? Já está a queimar.
_Obrigado. É fixe a tua cena?
_Com garantia do Lim, man. Do melhor que há.
_Pessoal! Deixem-se de merdas. Vamos resolver isto primeiro. É verdade, onde estará o meu primo? Ainda não me ligou.
O Lim liga para o Filipe e começámos a ouvir um telemóvel a tocar no quarto ao lado.
_Lim! O teu primo está cá? Aqui no café?
_O gajo deve estar doido, man. Quer dizer que a judite também está cá. Que cena man.
_Deve ter sido uma coincidência. O meu primo não vinha para aqui. Eu disse-lhe para ir para onde quisesse menos para aqui.

sexta-feira, setembro 30, 2005

CAPÍTULO V

Capítulo V

Chego a casa, entro e vou para o meu quarto. Sento-me na cama e ligo a aparelhagem. Oiço na rádio que à noite ia estar frio, chuva e vento. O tempo perfeito para uma recolha nocturna. Vai ser o máximo.
_Então pá! Tás fixe?
Grande susto. É o Rui a entrar mais uma vez pela minha janela. Este gajo não tem emenda.
_Merda man. Já chega! Ou começas a usar a porta ou acabo com a cena para ti!
_Tem calma pá. Estás muito nervoso. Passa-se alguma coisa?
_Não. Acabei de ter uma discussão com a minha empregada e ainda estou nervoso.
_Não descarregues é em mim, pá. Como é tens aí a cena?
_Tenho, toma.
_Baril! Estava mesmo a precisar. Toma lá o dinheiro.
_Estamos quites. Quando precisares já sabes.
_Tá pá. Obrigado. Tchau!
E lá foi ele de novo pela janela. Este gajo é que é doido. Uma vez Rui, sempre Rui.
_Menino! Menino! O jantar está servido!
_Já vou Tina! Já vou!
Olho para o relógio e vejo que são oito menos dez. Quer dizer que vou acabar de jantar por volta das oito e vinte, mudo de roupa e vou buscar o carro do Lim em frente ao Fanicos, para depois ir ter com o Gazela. Iá. Tenho tempo mais que suficiente.
Desço as escadas e entro na sala de jantar. Os meus Pais já estão sentados à mesa. Cumprimento-os com um beijo na cara a cada um.
_Que tal o dia hoje, Pai?
_Correu bem e as tuas aulas?
_Mais ou menos. A matéria está cada vez mais difícil. Não tem sido nada fácil acompanhar as aulas.
_Tens é de ter a cabeça no lugar. Hoje em dia quem não tem curso vê-se nas horas para triunfar. Não é Pai?
_Tens razão Mãe.
Os meus Pais tratam-se assim desde que eu nasci. Por Mãe e por Pai. E eu acho super-fixe. È engraçado como há pequenas coisas que nos conseguem tocar tanto.
_Mãe, sabes perfeitamente que eu me esforço. Tenho estudado bastante.
_Nós esperamos que isso seja verdade, mas duvidamos muito. Não é Pai?
_É verdade. Estamos muito preocupados com as tuas atitudes. Sabes filho, há uma altura da vida em que temos que parar um bocado para pensarmos no nosso futuro. Aquilo que queremos ser mais tarde. Não podes meter sempre o amor à frente de tudo.
_O teu Pai tem razão. O amor não está sempre do mesmo lado que a razão.
_Mãe! Pai! Então? Já sou crescido o suficiente para saber distinguir o certo do errado.
_Sabes, eu e o teu Pai não temos tanto a certeza.
_Estejam descansados. Eu sei o que faço e tenho consciência disso.
_Esperamos bem que sim.
Acabo de jantar e vou para o meu quarto. Ligo a aparelhagem e meto um CD dos REM. Programo a aparelhagem para não parar nunca de tocar e fecho a porta do quarto à chave. Assim posso sair pela janela e os meus Pais vão pensar que eu não saí esta noite. Já tenho um alibi. Os meus Pais jurariam que eu estive toda a noite a ouvir musica no quarto. Mesmo que batam à porta não era a primeira, nem a segunda vez que eu adormecia a ouvir musica no meu quarto à noite. Mais uma vez a minha imaginação me safou. Já tenho um alibi e ainda nem saí de casa. Iá. Nem preciso de comprar um. Fixe.
Salto pela janela e vou ter ao Fanicos. Lá está o carrinho do Lim. Não. É claro que não é o Z3. Somos quatro. O Lim tem muitos carros. E este sou eu que o vou estrear. O Lim compra sempre um carro para os golpes. Diz que dá sorte. Para mim dá, sou eu que os estrio. Desta vez resolveu comprar uma Nissan 4x4. Super-fixe. Cinzenta, com a caixa atrás fechada, senão as cenas da recolha nocturna voavam. O Lim sabe o que faz e compra sempre o mais adequado ao golpe.
Como é que eu sei que no meio de tantos carros estacionados qual vai ser o meu? Eu disse-vos que o plano era perfeito. Estava lá uma fotografia da Nissan, nos planos. A chave? Elementar caríssimos. Está sempre colocada dentro do cano do escape. Vêem?
Pego na chave e ligo o carro.
O plano vai ao pormenor de já estar colocado o CD para o golpe. Hoje meus amigos vamos escutar Vivaldi. As quatro estações. Lindo!
Chego à casa do Gazela e lá vem ele. Com os seus longos cabelos castanhos claros, aos saltos como uma gazela. Ao perto é que ele é estranho. Tem a cara com muitas borbulhas, usa óculos com lentes amarelas rectangulares e é super-magro.
_Como é Gazela? Tudo?
_Taba a ber que não, meu. Mas estás na hora combinada. Bora lá!
Há! É verdade! O Gazela é de Braga, não estranhem a pronúncia. É um tipo fiel e bué de fixe.
Nem foi preciso desligar o carro. Tão depressa apareceu como entrou no carro.
_Tens que me indicar o melhor caminho para a casa do Pedro.
_É simples. Bais sempre em frente, biras à esquerda na farmácia e na primeira à direita.
_E depois?
_Paras e eu dou-lhe um toque para o télélé. Ele não quer que tu saibas onde ele mora. Aliás ninguém sabe onde ele mora.
_E é de confiança este Pedro? Não achas estranho ninguém saber onde ele mora?
_De certeza que o Lim sabe. Ele sabe tudo de toda a gente.
_Agora é aqui, náo é?
_Isso! Bira aqui à direita e pára. Tou Pedro?
_ (...)
_Já chegamos! Bora lá!
_(...)
_Até já!
Foi tudo uma questão de minutos e entra na Nissan um individuo de raça negra. Fisicamente bem constituído, com uns enormes olhos castanhos e todo vestido de preto.
_Como é pessoal? Tá-se?
_Tudo Pedro! Tá-se fixe.
_Tá-se bem Pedro. Prazer.
Cumprimentámo-nos e arrancámos para a casa do Lim. O Pedro abriu o telemóvel dele e retirou o cartão. Partiu-o a meio e atirou-o pela janela fora.
_Porque desfizeste-te do cartão? Não bais precisar mais dele?
_Então a partir de agora não é tudo com os rádios?
_É verdade Gazela. O Lim nos golpes só usa rádio e se fores apanhado não tens como provar que ligaste ao Pedro. Bem pensado man.
_Obrigado. Sou profissional naquilo que faço.
Paramos a cerca de cem metros da casa do Lim. Estava tudo a correr conforme o plano. Lá estava o carro da judite, um Peugeot 306 verde com dois agentes que não tiravam os olhos da casa do Lim. Olho para o meu relógio e vejo que são dez e meia. Movimento. Sai alguém da casa do Lim e entra no Z3. É o primo dele e a judite segue-o. Yes. Estamos no caminho certo. Sai mais alguém. É o Lim. Arranco e vou apanhá-lo à porta de casa. O Gazela vai para o banco de trás e o Lim entra para o lugar do morto.
_Por pouco não vos via. Que merda de nevoeiro é este?
_Foi o Pedro que enrolou um man. Acomoda-te que está na hora.
_OK! Pessoal só digo isto uma vez, por isso escutem com toda a atenção.
_Bamos indo. Falas pelo caminho. Pedro dá-me uma passa.
_Toma! Pega no cinzas também.
_Se alguém for apanhado, o que eu duvido, ninguém, repito, ninguém dá com a língua nos dentes. Vocês já me conhecem e se há coisa que não tem perdão é a traição. Por isso mantenham a cabeça fria e nada de disparates. Era capaz de vos perseguir até aos confins do Inferno para me vingar.
_Tá descansado man. Já nos conheces e sabes como trabalhamos. Pelo menos a mim e ao Gazela.
_É berdade Lim!
_Vocês estão a descalçar a botinha para mim? É isso? Já actuei com o Lim várias vezes. E se ele me escolheu é porque sou o melhor. Não duvidem.
_Tens razão Pedro. És o melhor, mas aquilo que disse ainda à pouco, é para todos. Sem excepções. Tenham juízo e ninguém sai prejudicado. Este pode ser o nosso último trabalhinho. Por isso, e saia o gato!
Esta expressão do Lim é fabulosa, “_E saia o gato!”. Não conhecem? É simples. Eu conto-vos.
Era uma vez um ratinho que vivia dentro de uma parede atrás de um enorme armário. Cada vez que o ratinho saía da sua toca para ir buscar comida, era confrontado com a presença de um terrível gato. O ratinho temia o gato e começou a emagrecer tanto que resolveu, que naquela noite, tinha de sair de qualquer maneira. Quando se aproximou da porta da toca viu o gato a fumar um enorme charrão. O gato acaba de fumar e atira a ponta para baixo do armário. Aí o ratinho pensou, se não como nada então vou fumar esta ponta para enganar o estômago. Dá duas passas e começa a ficar com a cabeça a andar à roda. Sai da toca cá para fora. Cerra os dois punhos e com um movimento super-cómico de braços e pernas diz “E saia o gato!”.

CAPÍTULO IV

Capítulo IV

E cá estou eu. Outra vez só. Deitado no meu sofá. E mais uma vez pedrado. Vida estranha a minha. E depois? Vou ganhar quinhentos mil euros e a minha vida vai passar a ser mais interessante. Não quero dizer que agora não é interessante. Porque até o é. Mas o certo é que quinhentos mil euros conseguem tornar o que já era interessante em ainda mais interessante. Eu sei que concordam comigo.
Comecei a decorar o plano. Acho que estive umas três horas. Foi quando olhei para o relógio do vídeo e vi que já eram cinco da tarde.
Estava na hora de ir buscar a Mena. O que iria eu lhe dizer? Contar-lhe a verdade? Não faço a mínima ideia. Vou ter que improvisar. Iá. Eu sou bom nisso.
Cheguei à faculdade e lá estava ela no seu grupo de colegas. Na treta, a contarem as maiores baboseiras uns aos outros.
_Olá anjo.
Esta voz carinhosa. Como é bom escutar esta voz. Voz suave como o mel, a fugir um bocadinho para o mimalho. Mas acima de tudo linda e sincera.
_Então Paixão. Tás fixe?
_Olha quem ele é? O meu vilão favorito.
Apresento-vos a Lena. A melhor amiga da Mena. “_Onde vai Mena está a Lena.”. Inseparáveis. Por vezes irritantes quando juntas.
_Deixa-o em paz Lena. Nós já vamos embora.
_Olha agora o menino precisa de advogada de defesa. Que querido.
_Paras Lena? Deixa-o, já te disse.
_Qual é a tua Lena? Já vi que estás parva como é costume.
_Deixa-te de merdas piolhoso. Não sei o que vê ela em ti. Vê-se à distância que não prestas.
_Vamos Mena. Não estou para a aturar hoje.
_Tchau Lena! Tchau pessoal!
_Tchau Mena!!!
Começamos a caminhar de mão dada. E fomos no carocha amarelo da Mena para o meu apartamento. Sentamo-nos no sofá a ver a MTV. Eu a beber um copinho de whisky e a Mena a enrolar um piquinho.
_Estava mesmo a precisar de um. Tenho um mini-teste amanhã de manhã e preciso de decorar uns exercícios.
_Tu às vezes passas-te. Tanto resmungas por eu fumar sozinho como a seguir estás a enrolar um comigo.
_Tu não entendes. Eu gosto de me sentir moca quando tu também estás. Nem que não estejamos juntos. Se eu souber que estás a fumar em tua casa e eu estiver na minha, se fumar também é como se estivesse contigo. Percebeste, anjo?
_Iá. Já te entendo. Tás passadinha de todo.
_Deixa-te de coisas e ajuda-me.
Acabamos de enrolar e fumamos juntos. É incrível. Sensacional. Dá para ter sensações de outro mundo. É como estar na quinta dimensão. Curtimos bué. Eu por cima, ela por baixo e os dois um só. Lindo! Até que por fim, fomos fumar um cigarrinho para o quarto de banho enquanto nos lavamos.
_Mena és única. Adoro-te!
_Também te adoro muito! Tu és o meu amor.
_Que vais fazer logo à noite?
E agora? Imaginação tens que actuar, e já. Inventa a melhor desculpa do mundo. Salva-me mais uma vez. Please.
_Ei! É verdade! Logo à noite! Já me esquecia.
_De quê anjo?
_Combinei com os meus Pais ir à casa dos meus tios. Vamos buscar o meu primo César à casa dos Pais, para passar o fim-de-semana connosco. Já me tinha esquecido.
Sou ou não sou o maior nestas situações? Não tive que lhe contar sobre a recolha nocturna, como ainda já consegui uma desculpa para não estar com ela a noite toda. E com sorte para poder ficar a dormir amanhã até mais tarde.
_Que chato. Assim não podes estar comigo. Vou morrer de saudades.
_Tá descansada porque amanhã compenso-te.
_Podes crer que vais pagar caro. Também não faz mal, amanhã é Sexta-feira e à noite vais ver o que te espera.
Amanhã. Boa piada. Eu quero é ver o que me espera hoje à noite. Na volta amanhã já nem estamos juntos. É estranho pensar nisto. Como é que eu posso pôr esta carta no baralho? Eu não era capaz de estar um dia inteiro sem ela. O melhor é continuar o meu jogo e ver no que dá. Já chega o facto de estar a mentir. Olha agora acabar um namoro que está a correr também. Mas, e o dinheiro? Como poderei explicar-lhe que fiquei rico de um momento para o outro?
_Desde que não apareças com a Lena, está tudo bem.
_Não ligues ao que ela diz. No fundo do fundo eu sei que ela gosta de ti.
_Só se for no fundo de uma campa. É lá que ela gostava de me ver.
_Não digas isso dela. Não é verdade!
_Sabes bem que é assim! Ela odeia-me! E irrita-me! Não consigo gostar dela.
_Vamos nos acalmar. Não me quero zangar contigo por causa da Lena.
_Eu acho que já vens tarde! Já estou nervoso suficiente!
_Não me grites! Acalma-te!
Acalma-te! Então que tens? Não percas o controlo. Nem penses em aproveitar-te da Lena para acabares tudo com ela. Deixa-te de coisas. Vá, inspira fundo. Bem fundo. Boa. Agora expira. Não vale a pena contar até dez. Um, dois, três, quatro, cinco... Basta. Pede desculpa e fica bem com ela.
_Sabes Mena eu...
_Escusas de dizer. Já sei que te custa dizer. Estás desculpado.
_Não era isso que queria dizer.
_Como é?
_Eu ia dizer que está na hora de te ires embora.
_Que... que... queres dizer com isso?
_Nada. Que quero ficar um bocado só. Mais nada.
_Estás a expulsar-me da tua casa? Está descansado que eu saio. Pode até ser que nem volte mais! Adeus!
_Espera Mena!
Tarde de mais já saiu. Sinto um enorme nó na garganta. Engulo em seco e sinto os olhos a latejar. Sinto uma lágrima a escorrer-me pela face, mas não a tiro. Consigo agora observar pela janela a Mena lá embaixo a correr para dentro do carocha.
Não há mais nada a fazer. Ela foi e eu tenho que continuar com a minha mente descansada. O Lim não pode saber que acabei com ela. Pode pensar que estou abatido e psicologicamente em baixo. Não posso perder esta chance. É única.
São sete e meia o plano entra em curso precisamente às dez e meia para o primo do Lim e para o Lim. Mas para mim começa mais cedo. Às nove horas tenho que ir buscar o gazela.
Ei! Esqueci-me do Rui. Que cena!
Pego no telemóvel e ligo-lhe.
_Tou! Rui?
_Como é pá? Já tens a cena ou não? Sabes que horas são?
_Desculpa man. Perdi-me no meio das horas.
_O que estás a dizer? Perdeste-te quê?
_Nada esquece.
_Já vi tudo. Tou a ver que o produto é bom. Fixe.
_Tens toda a razão.
_Onde estás pá?
_Estou a ir para casa.
_Tou lá daqui a uns vinte minutos. Até já.
_Tá até já.
Fui buscar um bocado de cena ao frasco e saí. Apanhei um autocarro para casa. Queria chegar antes do Rui. E acima de tudo não podia dar bandeira. Não ia escorregar em nada. Não podia contar-lhe nada, nem da Mena, nem da recolha nocturna. Nada mesmo.

CAPÍTULO III

Capítulo III

Chegamos à rua do Lim e o Rui foi-se embora.
Tinha que ligar finalmente ao gajo. Onde marcar o encontro? Na casa dele nem pensar, mas podíamos ir para o meu local secreto. Sim, era sem duvida o melhor sítio.
Ainda não vos tinha dito, mas aluguei um apartamento sem ninguém saber. Só o Lim e a Mena é que sabem. Nem o Rui sabe dele e nem convém saber, senão já sei que não arredava os pés de lá. E sabe sempre bem termos o nosso canto privado.
_Tou! Lim?
_Como é? Tudo?
_Preciso de falar contigo man.
_Onde estás?
_Estou a ir para o meu apartamento. Vais lá ter?
_Dá-me vinte minutos que estou lá. OK?
_Tá man. Um abração.
_Outro.
Apanhei um taxi e fui para o meu apartamento. Levantei cem euros no banco embaixo e entrei.
Estava tudo impecavelmente limpo e arrumado. A ultima noitada não tinha deixado qualquer vestígio para a Mena ver. Tinha jogado uma cartada anteontem com o Lim e mais dois amigos dele e perdi seiscentos euros no poker. A Mena não podia saber.
A campainha toca. Deve ser o Lim. Olho pelo videoporteiro e vejo o Lim com o seu metro e oitenta e dois, cabelo escuro comprido, olhos castanhos e uma cicatriz na face que fazia inveja a qualquer gangster. O nome Lim vem de limpeza. Todos os trabalhos em que se metia eram executados com tamanha perfeição e limpeza que a polícia alcunhou-o de “Limpo” e nós de “Lim”.
_Sobe Lim. Está aberta.
_Obrigado.
Um minuto depois entra o Lim. Cumprimentámo-nos e ele sentou-se no meu sofá.
_Então pá? Tens cena?
_Quanto é que vais querer?
_Dá-me cem euros, man.
_Tanto? Para que queres tanto?
_Cinco para o Rui e o resto vou guardar para desenrascar o pessoal de vez em quando. Quando estão desesperados compram a qualquer preço.
_Tu é que mandas. Vinte e cinco, cinquenta, setenta e cinco, cem. Toma lá.
_Obrigado.
Paguei ao Lim, peguei na cena e guardei-a no sítio do costume. Dentro de um frasco, atrás dos livros que ficam na prateleira por cima da televisão.
_Que fazes logo? Vais ter com a Mena ou vens ter comigo?
_Vou almoçar com a Mena ao Mc Donald´s. Depois ela vai para as aulas e aí eu ligo-te.
_Tá combinadíssimo. Até já.
_Até já.
O Lim saiu e eu aproveitei para enrolar um. Iá, descontrair um pouco. É nestas alturas que tenho as minhas melhores ideias. Marroquina, super-cool. Acabo de fumar e olho para o meu relógio.
_Merda! Já são 11:50h e ainda tenho que ir à faculdade ter com a Mena.
Apanho um autocarro e dirijo-me para a faculdade de engenharia.
Lá está a coisa mais bonita do mundo, o amor da minha vida. A Mena. Ai, ai.
_Oi gata!
_Lindos olhos! Estiveste a fumar!
_Foi só um piquinho. Tá-se bem!
_Anda cá para te pôr umas gotas, meu anjo.
Beijei-a e sentei-me na beira do passeio. Ela agachou-se e pôs-me uma gota em cada olho.
Estas gotas são mesmo fixes, os olhos ficam branquinhos em segundos. Como novos. Mas o melhor é que a moca continua. Mundo de sonho e de loucura. Em que eu sou tu e tu és eu. Somos aquilo que queremos e temos tudo aquilo que sempre quisemos. Paz, harmonia, alegria. Iá, alegria. Alegria é fixe. Curtida. Engraçada. Iá, engraçada. Cómica. De partir o coco a rir. Há! Gargalhada.
De repente volto à realidade.
_Então estás aqui ou não, anjo?
_Mena? Que queres, Paixão?
_Vamos comer rápido que a seguir tenho Estruturas e o prof não nos deixa entrar depois dele. É daqueles fecha a porta à chave depois dele entrar.
_Que cena doida. Anda vamos.
Chegamos ao Mc Donald´s e comemos o costume. Mc menu cinco, dos médios e dois molhos de salsa. A bebida? Fanta.
Comemos e regressamos à faculdade. Curtimos um pouco e ela foi para a aula de Estruturas. E eu? Bem eu, eu sou diferente. Não vou às aulas. Também sou universitário, mas não vou às aulas porque apeteceu-me chumbar um ano. Ainda para mais os meus Pais pagam-me os estudos e eu cá vou arranjando umas coroas com este ou aquele biscate.
Eu vou é telefonar ao Lim para ver onde ele está.
_Tou Lim? Onde estás man?
_Tou no Fanicos.
_Vem me buscar man. Estou aqui na faculdade de engenharia.
_Tá! Já vou.
Passaram dez minutos e chega o Z3 do Lim. Cinzento metalizado. Super-lindo. Entrei e cumprimentamo-nos. E fomos para o meu apartamento.
Servi dois whiskys e liguei um sonzinho super-fixe. Depeche Mode. E o Lim a enrolar um. Iá, já não estava com a moca. Nem me tinha apercebido disso.
_Boa escolha.
_Iá. Que contas man?
_Vou precisar de ti para uma cena.
_O quê man?
_Vamos fazer uma recolha nocturna de uns dinheiros.
_Uma recolha nocturna? Iá, já tou a ver cena.
_Sou eu, tu, o Pedro e o Gazela. E faz-me falta um motorista.
Pois é. Sempre que era dia de recolhas nocturnas era eu o motorista. Tenho carta de condução, mas não tenho carro. Acontece que sou o melhor condutor da região, o mais rápido, o mais ágil e o mais hábil. Um autentico Aírton Sena da Silva.
Só com estas recolhas nocturnas é que eu tinha tanto dinheiro. Ainda há pouco vos disse que tinha perdido seiscentos euros no poker, levantei mais cem e isso dá? Setecentos euros. Por isso é que não tenho problemas de dinheiro. Iá, sou do género de gangster. Um bandido. O mau da fita. Mas também sou um tipo curtido.
_Podes contar comigo. Onde é a recolha?
_No armazém 117.
_No 117? Finalmente! Porreiro!
_É valeu a pena esperar. Muitos meses de pesquisa e de paciência.
_E como vamos despistar a judite?
Judite – o mesmo que Polícia Judiciária.
_Toma. Fuma e ouve.
_Fixe. Conta lá.
_O meu primo Filipe está lá em casa a dormir. Hoje à noite por volta das dez e meia, o Filipe vai sair da minha casa vestido com a minha roupa preta.
_Aquela que tem o gorro?
_Essa mesma. Com a luz da entrada apagada, ele de preto, com o gorro enfiado na cabeça e a sair no meu carro. A judite vai pensar que sou eu e vai segui-lo.
_Iá man. Tou a ver a cena. E tu ficas livre! Boa!
_Genial, não? Vai tudo correr na perfeição. Estivemos oito meses a preparar o plano. O Gazela até trabalhou lá um mês para sabermos como é por dentro o armazém.
_Iá, ficou um mês inteirinho com dor nos ombros. Até ganhou ferida.
_E o pessoal para o foder cumprimentava-o com uma palmada nos ombros. Há! Há! Há!
_Há! Há! Há! Essa cena foi super-curtida, man. Todos a baterem-lhe nos ombros!
_Chega-te aqui para veres o plano.
O Lim foi ao bolso do casaco de couro preto e tirou um envelope branco. Abriu-o e tirou uma data de folhas todas dobradas. Começou a desdobrar uma e ficou uma folha A1. Era um plano impecável. Desenhos e esquemas computadorizados, fotos digitalizadas do interior e do exterior do armazém. Compilaram tudo num programa super-moderno e imprimiram. Fabuloso!
_Que tens pá? Fecha a boca que ainda tenho mais três folhas.
_Man vocês são completamente loucos. Vocês passam-se! Loucura total!
_Tem calma e vê tudo com muita atenção. Se tiveres dúvidas tira-as já comigo. Não pode falhar nada. Nada!
Comecei a estudar o plano. Estava tudo muito bem definido e programado. Diabolicamente estruturado e ao mesmo tempo esclarecedor. Minuto a minuto a posição de cada um. Se algo correr mal temos duas opções de fuga e ambas são bastante seguras.
_Lim! Digo-te man, isto está o máximo. És tu pá. Eu sabia. Tu é que és o gajo. És tu. Eu sabia man.
_Deixa-te de disparates miúdo. Tens alguma dúvida?
_Não man. Tá-se bem.
_Consegues decorar tudo até logo à noite?
_É claro man. Pensas que eu sou o quê?
_Não passas de um miúdo. Já não me lembro do que é que se pensa com essa idade.
_Deixa-te de cenas man. Combinamos que nos tratávamos de igual para igual.
_Tá miúdo. Estava a brincar. Senta-te lá.
_Quanto é que vale a recolha? Lembro-me que os boatos eram de uma boa fatia, mas nunca soube ao certo quanto é o valor.
_Estás bem sentado?
_Fala man.
_Cinco milhões.
_Escudos? Só?
_Não. Euros. Um cinco com seis zeros.
_Tás a brincar man.
Os meus pés começaram a tremer. Depois as pernas. E ainda o corpo. Todo eu tremia. Não podia acreditar. Cinco milhões de euros. Inacreditável. E o melhor? O melhor está para vir porque dez por cento das recolhas é para o motorista. Isto dá a módica quantia de... de... quinhentos... mil... euros. Um cinco com cinco zeros. Milionário. Loucura total. Não estudava mais na minha vida. Era só investir e curtir. Iá.
Começava era a ter um problema. Um problema chamado Mena. Será que devia contar-lhe sobre a recolha? E mesmo que não lhe conte antes. Será que lhe devo contar depois? Iria ela atraiçoar-me? Deveria terminar imediatamente com ela?
Bem o melhor é não pensar para já nisso e concentrar-me antes em decorar o plano.
_Pareces uma vara verde. Para com isso.
_Não é todos os dias que se vai lucrar cem mil contos man. Deixa-me tremer em paz.
_Tens de fumar menos, estás a ficar cada vez mais pedrado. Olha só para os teus olhos.
_É verdade. Os meus olhos não enganam.
_Bom! Vou embora. Falamos mais tarde.
_Tichau man!
_Adeus puto!

terça-feira, setembro 27, 2005

CAPÍTULO II

Capítulo II

2002
9:10h – Casa dos meus Pais

Meu telemóvel está a tocar e acordo sobressaltado. Olho pela janela e consigo observar a cortina a mexer. É de leve, mas está definitivamente a mover-se. Penso para mim que deve ser o vento, pois ainda ontem estiveram ventos ciclónicos.
O telemóvel não pára e pego nele. 961 231 373. É o Rui.
_Tou! Rui?
_Tou ! Então, pá? Tás fixe?
_Iá man! Porreiro. Que queres?
_Estou a precisar, pá. Já acabou.
_Quanto?
_Dez euros. Tens?
_Tenho. Onde estás?
_Bem, na tua janela.
Olho para a janela e ali estava ele. Com os seus olhinhos azuis e o seu curto cabelo ruivo. A olhar para mim com um sorriso todo acriançado. Sim, assim era o Rui, um rapaz com os seus 19 anos. Estudante de dentista na faculdade de medicina.
_Rui, já te disse milhões de vezes para não me trepares pela varanda. Tenho uma porta lá embaixo como toda a gente.
_Desculpa pá. Mas não consigo evitar de fazer sempre isso. Então pá, tás fixe?
Estendeu-me a mão e cumprimentámo-nos.
_Entra e senta-te na minha cama.
_Obrigado. É pá, que raio de pijama é esse?
Sim era verdade. Boa pergunta. “_Que raio de pijama é esse?”. Por que raio é que logo hoje eu tive que vestir a merda deste pijama. O pijama que a Tina me ofereceu nos anos. O pijama mais feio do mundo. Azul eléctrico, com montes de risquinhas cor-de-rosa e estrelinhas amarelas. Odeio as prendas da Tina.
_Não ligues é feio mas confortável.
_Há! Há! Há! Tu é que és doido. Então pá, tens a cena?
_Deixa-me ir à gaveta.
Ajoelhei-me e abri a gaveta do meu roupeiro e tirei um caixotinho que estava embaixo de tudo. Peguei nele e pousei-o em cima da cama. Abri-o e olhamos os dois para dentro dele. Estava vazio.
_È pá, granda cena. Não tens nem um greirinho.
_Merda. Tenho que ir ao Lim buscar mais, man.
_É pá. Vê lá se vais e rápido, porque estou mesmo a precisar.
_Ou! Calma aí. Vou quando puder. Tenho ainda que ir tomar banho e tomar o pequeno-almoço.
_Olha então vou indo pró Fanicos. A gente comunica-se pá.
Saltou pela minha janela e foi-se embora. Despi-me e fui tomar banho.
Olho agora para o espelho e estou o máximo. Uma brasa, o único e o melhor. Uau.
Chego á cozinha e só está lá a Tina. A minha doce e fiel Tina. A melhor governanta que se pode arranjar. Com 67 anos e um espirito de 28. Gordinha, com bochechinhas e um sorriso encantador.
_Bom dia Tina!
_Bom dia menino! Sente-se que eu sirvo.
_Obrigado Tina. Quero leitinho com chocolate e as super-torradas da Tina!
_Estão acabadinhas de tostar.
Um cheirinho a pãozinho torrado com manteiguinha acabada de barrar. Hum. Que bom.
Já de papo cheio saio e desço pela rua. Meto os phones nos ouvidos, os meus sunglasses e ligo um super-som. U2. Elevation. Caminho pela calçada e vou a chutar uma pedra.
Chego ao Fanicos e entro. Um sonzinho super baril de Pixies. E um ambiente de fumo e de jogo. Lá está o Rui, na mesa mais fixe, ali mesmo no canto de onde se pode ver tudo. Quem entra, quem sai, quem nos olha. Enfim tudo.
_Então Rui? O resto do people?
_Ainda não vi ninguém pá
_Nem o Lim?
_Aí é que está a cena pá, nem o Lim.
_Vou ligar-lhe. Merda man, deixei o telemóvel no quarto.
_Toma usa o meu.
_Não dá man. Não sei o número de cor. Temos que ir à minha casa.
_Vamos no meu carro.
Saímos e fomos para o carro do Rui. Uma velha quatro L, cor de laranja com o numero sessenta e nove colado com letras azuis nas portas.
Chegamos à minha casa e fui buscar o meu telemóvel.
_Menino! Menino! Já tocou mais de dez vezes.
_Obrigado Tina. Mas no visor só estão marcadas duas.
_Vem jantar? É o seu super-bacalhau.
A Tina já não me pergunta nunca se vou almoçar, pois sabe que isso é tarefa impossível. Mas jantar é diferente. Ainda para mais um super-bacalhau.
_Se vier eu ligo-te tá? Tichau Tina!
_Adeus menino!
Fechei a porta e saí. Fui ter com o Rui ao carro dele e peguei no meu telemóvel para ver quem me tinha telefonado.
_Entra pá. Tu sabes mesmo onde mora o Lim?
_Sei. Já lá fui bué de vezes. Que granda noia!
_Que foi pá?
_Ligou-me a Mena e o Lim.
Mena, um metro e setenta e dois, sessenta quilos, morena, olhos verdes, corpinho tipo garrafa da coca-cola e principalmente o amor da minha vida. Sim, por ela era capaz de tudo. Como cantava o Brian Adams “_Everything I do, I do it for you”.
Pensei para mim mesmo que o melhor era ligar primeiro à Mena e só depois ao Lim. A cena podia esperar um bocadinho mais.
_Tou! Mena? Bom dia, Paixão.
_Amor? Estava a ver que não me ligavas. Onde estás?
_Tou com o Rui. Aqui no carro dele.
_Manda um beijo meu à Mena.
_Já te disse mais de mil vezes que não gosto da companhia dele. O Rui é má companhia para ti.
_Está descansada. Eu sei o que faço.
_Não me digas que vais à casa do Lim!
_Achas? É claro que não. Vamos jogar um bilhar os dois. Mais nada.
_Não me mintas! Estou a ouvir o anormal do Rui a rir.
_Não é nada. Estás a ouvir apenas o rádio. É o programa da manhã. É de rir.
_Está bem. Vou fazer de conta que acredito. Um dia ainda vais arranjar das boas graças às más companhias.
_Ná! Não penses mais nisso.
_Olha, eu vou para as aulas e vemo-nos mais tarde. OK?
_Tá Paixão. Beijos grandes para ti.
_Beijos enormes para ti também, meu anjo.
_Tichau.
Desliguei o telemóvel e o Rui não parava de rir.
_Cala-te Rui! Pareces um puto de dez anos.
_ Pá! Que queres? Tu és de matar a rir.
_Silêncio agora que vou ligar ao Lim.
_Tá pá. Faz de conta que eu não estou aqui.
Não gostava nada de ir à casa do Lim. O gajo era perigoso e a casa estava sempre sob vigilância da polícia judiciária. Eu tinha que arranjar maneira de me livrar do Rui e de encontrar o Lim noutro sítio qualquer.
Boa ideia! Vou fingir que estou a falar com o Lim ao telefone e que ele me pede para ir sozinho. Iá. O Rui que se lixe. Afinal o Lim não gosta de mirones.
_Tou! Lim?
_ (...)
_Então man? Tudo?
_ (...)
_Tou com o Rui. Preciso de falar contigo.
Para quem não sabe, não convém dizer ao telefone que quero cena ou outra coisa qualquer, pois o telefone pode estar sob escuta. Então combinei com o Lim que quando precisar de cena para lhe dizer que preciso de falar com ele.
¬_ (...)
_O quê? Sozinho? É só o Rui man.
_ (...)
_Tá pá. Eu vou sozinho. O Rui leva-me e depois vai-se embora.
_ (...)
¬_ OK! Tá pá. Até já.
_ (...)
_Abraço. Até já.
Desliguei o telefone e o Rui estava de boca aberta a olhar para mim.
_É pá. Obrigadinho. Tu é que és fixe.
_Que queres Rui? Não ouviste o gajo?
_Tu sabias perfeitamente que eu queria ir também. Não te esforçaste nadinha pá.
_Acabou man! Leva-me lá e finito.

CAPÍTULO I

Capítulo I


1979
7:30h - Hospital


Um casal entra violentamente pelo hospital dentro.
_É o meu primeiro filho! Alguém me ajude!
_Tenham calma e sente a sua esposa nesta cadeira.
São os meus Pais minutos antes de eu nascer. Uma enfermeira conduz a cadeira de rodas para um quarto, enquanto que o meu Pai é levado para a sala de espera. A minha Mãe está agora numa marquesa rodeada por vários médicos, enquanto que o meu Pai está na sala de espera a fumar cigarro atrás de cigarro. Entra um médico na sala de estar.
_Então doutor? Já nasceu?
_Receio ter más notícias. Vamos ter que a operar.
_O que se passou? Qual foi o problema?
_Vamos ter de operar a sua esposa para ver se não perdemos o seu filho.
_Meu Deus ajuda-me. É o meu primeiro filho.
Minha Mãe está agora numa sala de operações rodeada por mais médicos ainda. O meu Pai está agora mais nervoso do que nunca, pois o tempo passa e ninguém lhe dá notícias. De repente entra um médico, com um sorriso na cara e uma bata toda ensanguentada.
_Doutor! Boas notícias?
_Sim. Parabéns! Tem um belo filho.
O meu Pai entra sorridente na sala, a minha Mãe está deitada ainda meio a dormir e eu estou deitado num balcão ligado a uma máquina.
_Querida, estás bem?
_Conseguimos amor. É lindo.
O meu Pai dá um beijo à minha Mãe e a minha máquina começa a emitir um som de alarme. Um médico entra rapidamente pela sala dentro e começa a me reanimar. Os meus Pais estão agarrados um ao outro a chorar. Agora já são dois médicos e os minutos estão a passar. Cinco. Dez. Quinze minutos e nada. Está tudo a desesperar, foi quando o meu Pai levantou-se, caminhou para mim e ajoelhou-se.
_Deus todo-poderoso! Envia-nos um anjo!
Ao mesmo tempo que o meu Pai repete o pedido, as luzes da sala começam a ficar intermitentes e mais fortes. As luzes voltam à intensidade normal e o som de alarme pára. Os médicos mandam toda a gente se calar e ficam à escuta. O som agora já é alternado e no leitor já se lê a minha tensão. O meu Pai continua de joelhos à minha frente, enquanto que a minha Mãe reza.
_Obrigado meu Deus.
_Bem lhe pode agradecer. Já íamos desistir.
Já passou uma semana, a minha Mãe está agora instalada num quarto e o meu Pai está sentado a dar-lhe a mão. Uma enfermeira entra no quarto comigo ao colo.
_O nosso filho! Finalmente.

O meu Pai levanta-se e pega em mim. Levanta-me no ar, vira-me para a luz que vem da janela e sorri lá para fora. _Meu Deus! Obrigado pelo anjo que nos enviaste. Como agradecimento iremos dar ao nosso filho um nome de um grande anjo. O nosso filho chamar-se-á... Gabriel!