sexta-feira, setembro 30, 2005

CAPÍTULO III

Capítulo III

Chegamos à rua do Lim e o Rui foi-se embora.
Tinha que ligar finalmente ao gajo. Onde marcar o encontro? Na casa dele nem pensar, mas podíamos ir para o meu local secreto. Sim, era sem duvida o melhor sítio.
Ainda não vos tinha dito, mas aluguei um apartamento sem ninguém saber. Só o Lim e a Mena é que sabem. Nem o Rui sabe dele e nem convém saber, senão já sei que não arredava os pés de lá. E sabe sempre bem termos o nosso canto privado.
_Tou! Lim?
_Como é? Tudo?
_Preciso de falar contigo man.
_Onde estás?
_Estou a ir para o meu apartamento. Vais lá ter?
_Dá-me vinte minutos que estou lá. OK?
_Tá man. Um abração.
_Outro.
Apanhei um taxi e fui para o meu apartamento. Levantei cem euros no banco embaixo e entrei.
Estava tudo impecavelmente limpo e arrumado. A ultima noitada não tinha deixado qualquer vestígio para a Mena ver. Tinha jogado uma cartada anteontem com o Lim e mais dois amigos dele e perdi seiscentos euros no poker. A Mena não podia saber.
A campainha toca. Deve ser o Lim. Olho pelo videoporteiro e vejo o Lim com o seu metro e oitenta e dois, cabelo escuro comprido, olhos castanhos e uma cicatriz na face que fazia inveja a qualquer gangster. O nome Lim vem de limpeza. Todos os trabalhos em que se metia eram executados com tamanha perfeição e limpeza que a polícia alcunhou-o de “Limpo” e nós de “Lim”.
_Sobe Lim. Está aberta.
_Obrigado.
Um minuto depois entra o Lim. Cumprimentámo-nos e ele sentou-se no meu sofá.
_Então pá? Tens cena?
_Quanto é que vais querer?
_Dá-me cem euros, man.
_Tanto? Para que queres tanto?
_Cinco para o Rui e o resto vou guardar para desenrascar o pessoal de vez em quando. Quando estão desesperados compram a qualquer preço.
_Tu é que mandas. Vinte e cinco, cinquenta, setenta e cinco, cem. Toma lá.
_Obrigado.
Paguei ao Lim, peguei na cena e guardei-a no sítio do costume. Dentro de um frasco, atrás dos livros que ficam na prateleira por cima da televisão.
_Que fazes logo? Vais ter com a Mena ou vens ter comigo?
_Vou almoçar com a Mena ao Mc Donald´s. Depois ela vai para as aulas e aí eu ligo-te.
_Tá combinadíssimo. Até já.
_Até já.
O Lim saiu e eu aproveitei para enrolar um. Iá, descontrair um pouco. É nestas alturas que tenho as minhas melhores ideias. Marroquina, super-cool. Acabo de fumar e olho para o meu relógio.
_Merda! Já são 11:50h e ainda tenho que ir à faculdade ter com a Mena.
Apanho um autocarro e dirijo-me para a faculdade de engenharia.
Lá está a coisa mais bonita do mundo, o amor da minha vida. A Mena. Ai, ai.
_Oi gata!
_Lindos olhos! Estiveste a fumar!
_Foi só um piquinho. Tá-se bem!
_Anda cá para te pôr umas gotas, meu anjo.
Beijei-a e sentei-me na beira do passeio. Ela agachou-se e pôs-me uma gota em cada olho.
Estas gotas são mesmo fixes, os olhos ficam branquinhos em segundos. Como novos. Mas o melhor é que a moca continua. Mundo de sonho e de loucura. Em que eu sou tu e tu és eu. Somos aquilo que queremos e temos tudo aquilo que sempre quisemos. Paz, harmonia, alegria. Iá, alegria. Alegria é fixe. Curtida. Engraçada. Iá, engraçada. Cómica. De partir o coco a rir. Há! Gargalhada.
De repente volto à realidade.
_Então estás aqui ou não, anjo?
_Mena? Que queres, Paixão?
_Vamos comer rápido que a seguir tenho Estruturas e o prof não nos deixa entrar depois dele. É daqueles fecha a porta à chave depois dele entrar.
_Que cena doida. Anda vamos.
Chegamos ao Mc Donald´s e comemos o costume. Mc menu cinco, dos médios e dois molhos de salsa. A bebida? Fanta.
Comemos e regressamos à faculdade. Curtimos um pouco e ela foi para a aula de Estruturas. E eu? Bem eu, eu sou diferente. Não vou às aulas. Também sou universitário, mas não vou às aulas porque apeteceu-me chumbar um ano. Ainda para mais os meus Pais pagam-me os estudos e eu cá vou arranjando umas coroas com este ou aquele biscate.
Eu vou é telefonar ao Lim para ver onde ele está.
_Tou Lim? Onde estás man?
_Tou no Fanicos.
_Vem me buscar man. Estou aqui na faculdade de engenharia.
_Tá! Já vou.
Passaram dez minutos e chega o Z3 do Lim. Cinzento metalizado. Super-lindo. Entrei e cumprimentamo-nos. E fomos para o meu apartamento.
Servi dois whiskys e liguei um sonzinho super-fixe. Depeche Mode. E o Lim a enrolar um. Iá, já não estava com a moca. Nem me tinha apercebido disso.
_Boa escolha.
_Iá. Que contas man?
_Vou precisar de ti para uma cena.
_O quê man?
_Vamos fazer uma recolha nocturna de uns dinheiros.
_Uma recolha nocturna? Iá, já tou a ver cena.
_Sou eu, tu, o Pedro e o Gazela. E faz-me falta um motorista.
Pois é. Sempre que era dia de recolhas nocturnas era eu o motorista. Tenho carta de condução, mas não tenho carro. Acontece que sou o melhor condutor da região, o mais rápido, o mais ágil e o mais hábil. Um autentico Aírton Sena da Silva.
Só com estas recolhas nocturnas é que eu tinha tanto dinheiro. Ainda há pouco vos disse que tinha perdido seiscentos euros no poker, levantei mais cem e isso dá? Setecentos euros. Por isso é que não tenho problemas de dinheiro. Iá, sou do género de gangster. Um bandido. O mau da fita. Mas também sou um tipo curtido.
_Podes contar comigo. Onde é a recolha?
_No armazém 117.
_No 117? Finalmente! Porreiro!
_É valeu a pena esperar. Muitos meses de pesquisa e de paciência.
_E como vamos despistar a judite?
Judite – o mesmo que Polícia Judiciária.
_Toma. Fuma e ouve.
_Fixe. Conta lá.
_O meu primo Filipe está lá em casa a dormir. Hoje à noite por volta das dez e meia, o Filipe vai sair da minha casa vestido com a minha roupa preta.
_Aquela que tem o gorro?
_Essa mesma. Com a luz da entrada apagada, ele de preto, com o gorro enfiado na cabeça e a sair no meu carro. A judite vai pensar que sou eu e vai segui-lo.
_Iá man. Tou a ver a cena. E tu ficas livre! Boa!
_Genial, não? Vai tudo correr na perfeição. Estivemos oito meses a preparar o plano. O Gazela até trabalhou lá um mês para sabermos como é por dentro o armazém.
_Iá, ficou um mês inteirinho com dor nos ombros. Até ganhou ferida.
_E o pessoal para o foder cumprimentava-o com uma palmada nos ombros. Há! Há! Há!
_Há! Há! Há! Essa cena foi super-curtida, man. Todos a baterem-lhe nos ombros!
_Chega-te aqui para veres o plano.
O Lim foi ao bolso do casaco de couro preto e tirou um envelope branco. Abriu-o e tirou uma data de folhas todas dobradas. Começou a desdobrar uma e ficou uma folha A1. Era um plano impecável. Desenhos e esquemas computadorizados, fotos digitalizadas do interior e do exterior do armazém. Compilaram tudo num programa super-moderno e imprimiram. Fabuloso!
_Que tens pá? Fecha a boca que ainda tenho mais três folhas.
_Man vocês são completamente loucos. Vocês passam-se! Loucura total!
_Tem calma e vê tudo com muita atenção. Se tiveres dúvidas tira-as já comigo. Não pode falhar nada. Nada!
Comecei a estudar o plano. Estava tudo muito bem definido e programado. Diabolicamente estruturado e ao mesmo tempo esclarecedor. Minuto a minuto a posição de cada um. Se algo correr mal temos duas opções de fuga e ambas são bastante seguras.
_Lim! Digo-te man, isto está o máximo. És tu pá. Eu sabia. Tu é que és o gajo. És tu. Eu sabia man.
_Deixa-te de disparates miúdo. Tens alguma dúvida?
_Não man. Tá-se bem.
_Consegues decorar tudo até logo à noite?
_É claro man. Pensas que eu sou o quê?
_Não passas de um miúdo. Já não me lembro do que é que se pensa com essa idade.
_Deixa-te de cenas man. Combinamos que nos tratávamos de igual para igual.
_Tá miúdo. Estava a brincar. Senta-te lá.
_Quanto é que vale a recolha? Lembro-me que os boatos eram de uma boa fatia, mas nunca soube ao certo quanto é o valor.
_Estás bem sentado?
_Fala man.
_Cinco milhões.
_Escudos? Só?
_Não. Euros. Um cinco com seis zeros.
_Tás a brincar man.
Os meus pés começaram a tremer. Depois as pernas. E ainda o corpo. Todo eu tremia. Não podia acreditar. Cinco milhões de euros. Inacreditável. E o melhor? O melhor está para vir porque dez por cento das recolhas é para o motorista. Isto dá a módica quantia de... de... quinhentos... mil... euros. Um cinco com cinco zeros. Milionário. Loucura total. Não estudava mais na minha vida. Era só investir e curtir. Iá.
Começava era a ter um problema. Um problema chamado Mena. Será que devia contar-lhe sobre a recolha? E mesmo que não lhe conte antes. Será que lhe devo contar depois? Iria ela atraiçoar-me? Deveria terminar imediatamente com ela?
Bem o melhor é não pensar para já nisso e concentrar-me antes em decorar o plano.
_Pareces uma vara verde. Para com isso.
_Não é todos os dias que se vai lucrar cem mil contos man. Deixa-me tremer em paz.
_Tens de fumar menos, estás a ficar cada vez mais pedrado. Olha só para os teus olhos.
_É verdade. Os meus olhos não enganam.
_Bom! Vou embora. Falamos mais tarde.
_Tichau man!
_Adeus puto!