quarta-feira, outubro 12, 2005

CAPÍTULO VIII

Capítulo VIII

Começo a me sentir cansado e deito-me na cama. Passam-me pela cabeça os mais estranhos pensamentos. As mais esquisitas recordações. Até que adormeço.
Acordo com alguém a abanar-me. Abro um olho e depois o outro. Estou a ver tudo enevoado. É o baixinho que está à minha frente.
_Levanta-te. Vais sair.
_Vou-me embora?
_Sim, anda.
Saio da cela e regresso para o open space. Olha é o Lim que está ali. Está a falar com um careca de fato.
_Lim. O que aconteceu?
_Anda, vamos embora. O meu advogado tirou-nos daqui.
_Este gente está tola, man. Só falam num roubo que houve num armazém.
_Esquece isso e vem embora.
Saímos da esquadra e o advogado do Lim deixou-nos no Fanicos. O Lim abriu a porta com a chave dele, entrámos e fomos para o balcão. O Lim pegou numa garrafa de whisky e começámos a beber.
_Não é melhor ligarmos aos outros, Lim?
_Tens razão. Vou ligar ao Filipe.
Pegou no telefone do café, ligou o alta voz e marcou o numero do Filipe.
_Tou! Filipe.
_Sim Lim. Diz.
_Onde estão vocês? Já são duas e meia.
_Estamos ainda no pinhal. Está quase acabado. Tivemos uma sorte danada. Imagina só que encontrámos um buracão enorme com dois metros de profundidade. Metemos o gajo lá dentro e foi só enchê-lo de terra. O Pedro já está a queimar o mato. Tenho que ir, ainda temos que ir ao parque subterrâneo.
_Venham ter depois aqui ao Fanicos.
_Até já!
Enquanto que o Lim falava ao telefone enrolei mais um. Estávamos a precisar de passar o tempo com alguma paz e sossego. Agora sim. Posso imaginar o Pedro e o Filipe a enterrarem o Gazela. Depois a deitar fogo ao mato. As labaredas estão a crescer cada vez mais. Já ardem árvores inteiras. Lindo. O Pedro e o Filipe já arrancaram para o parque subterrâneo. Lá vão eles a caminho, a curtirem um pico a ouvir GNR, “Dunas”.
Chegam ao parque subterrâneo, tiram o bilhete e entram. Estacionam perto da Opel Astra do Filipe. Trocam os bilhetes, trancam a Nissan e saem na Opel Astra. Iá, tudo como combinado. Não tarda estão aqui a chegar.
Ouvimos um barulho de vozes e abre-se a porta.
_Primo está tudo OK.
_Correu tudo como planeado?
_Podes crer. Deixa-me só lavar as mãos que estão cheias de terra. Não queres lavar também Filipe?
_Boa é mesmo isso.
Vão os dois para a casa de banho e eu fico a olhar para o Lim.
_Que queres miúdo?
_Onde vamos pôr o dinheiro? Não pode ficar aqui.
_Não queres levá-lo para o teu apartamento?
_Não sei, man. A coisa não está fácil.
_O quê?
_Eu, tu e o teu primo não podemos ficar com o dinheiro. Eu e tu somos suspeitos e o teu primo está a dormir em tua casa.
_Pode o Pedro.
_Não confio nele, man. Não o conheço de lado nenhum.
_Se o escolhi é porque é de confiança.
_Pode até ser, mas o que queres man? Não sei, há ali qualquer coisa.
_Achas? Já o conheço à alguns anos, já entrámos em montes de golpes e ele nunca deu a mínima bandeira. Acho que podemos confiar nele.
Os dois coveiros saem da casa de banho e tornam-se a juntar a nós à beira do balcão. Bebemos uns copos, combinámos deixar o dinheiro na cave do Fanicos num alçapão secreto e fomos buscar o dinheiro à sala. Carregámos todos os sacos para o alçapão secreto e o Filipe arrancou com o Pedro. O Lim deixou-me à porta da casa da Mena e foi-se embora.
São três e meia da manhã. Pego no meu telemóvel e ligo para a Mena.
_Tou! Mena!
_ Tou! Anjo onde estás? Que horas são?
_São três e meia, Paixão. Estou à tua porta.
Vejo-a a espreitar pela porta da varanda e digo-lhe adeus. Ainda está vestida, fixe.
_Espera que eu já desço.
Não foi preciso esperar muito, em segundos sai pela porta da frente e começa a correr na minha direcção. Beijámo-nos e abraçámo-nos.
_Anda para o meu carro.
Entrámos no carocha e ficámos a olhar um para o outro. Eu comecei a enrolar um e pensei para mim que não sabia o que dizer. Era óbvio que gostava dela. Mas, contar a verdade? Não sei se sou capaz.
_Não digas nada que te possas vir a arrepender.
_O quê Mena?
_Pensa bem no que vais dizer. Conta-me apenas a verdade, anjo. Já está tudo bem?
_O que estás a dizer?
_Estou a perguntar se a coisa não se complicou depois de fugirem.
Caiu-me tudo, até me engasguei com o fumo. Como era possível ela saber?
_Depois de fugirmos?
_Sim. Depois de fugirem. Já passou muito tempo o que estiveram a fazer até agora?
_O que dizes?
_Podes contar-me a verdade, anjo. Eu vi tudo.
Cada vez acho mais incrível. O que se está a passar? Como pode ela saber da fuga? Ela diz que viu tudo. Tudo o quê? Ela não estava lá, aliás eu vi muito bem que ninguém nos seguiu. Tenho de lhe perguntar o que viu.
_Viste tudo o quê?
_O assalto. A fuga. E depois mais nada. Eram quatro. Parecia um armazém.
_Mas ... como?
_Lembras-te de eu te dizer que quando fumávamos em locais diferentes, que se eu soubesse que tu estavas a fumar era como se estivéssemos juntos?
_Sim e daí?
_Pela primeira vez aconteceu. Foi como se estivesse à tua beira, mas mais que isso, foi como se estivesse dentro de ti. Consegui ver tudo.
_Aquela voz que ouvi antes do carro pegar foi a tua.
_Não sei como, mas consegui falar contigo e depois abri os olhos e estava no meu quarto.
Não podia acreditar no que estava a ouvir. Parecia coisa do outro mundo. Será que ela estava moca outra vez e começou a inventar tudo? Não. Ela viu mesmo a cena toda. Que estranho. Agora é que estava a associar as peças. Espera aí. Se ela só viu até à fuga não sabe do Gazela. Nem pode saber.
_Que cena, Paixão.
_Podes crer. Estranho não é? Conta-me o que aconteceu depois, anjo.
_Nada de especial. Estivemos a fazer tempo no Fanicos e foi cada um para a sua casa.
_A sério? Não aconteceu mais nada?
_Não, podes estar descansada.
Estivemos a curtir um bocado dentro do carro e ela trouxe-me a casa. Despedimo-nos, ela foi-se embora e eu entrei. Fui para o meu quarto, despi-me, vesti o pijama, liguei o despertador e deitei-me na cama.
Fecho os olhos e começo a recordar a noite de hoje. Que noite mais doida, mais estranha e mais perigosa que eu alguma vez tinha passado. Espera aí esquecemo-nos de uma merda. Ainda há uma prova que nos pode incriminar. Isso mesmo. Grande merda. E se o Gazela perdeu a chave dentro do armazém? Se a judite a encontrar pode chegar até ao carro do Lim. Está certo que para todos os efeitos o carro estava parado no parque na altura do roubo. Mas como ninguém viu o carro em que fomos, podem na mesma incriminar o Lim. Ele não consegue explicar como é que a chave dele foi aparecer dentro do armazém. O melhor é ligar ao Lim.
Ligo para ele, mas o telemóvel está desligado.
O melhor é ligar-lhe amanhã de manhã, o mais cedo possível. Também tenho que descansar um pouco e já é muito tarde. É isso mesmo, mais vale dormir um bocado.
9:00h – Casa dos meus Pais
Pipipipi! Pipipipi! Com um gesto rápido desligo o despertador. E permaneço deitado sem abrir os olhos. Começo a lembrar-me daquela cena da chave que o Gazela perdeu. Iá, tenho que avisar o Lim.
Marco o número dele, mas o telemóvel continua desligado. Porreiro. Vou dormir mais uma horinha para ficar fresquinho. Torno a ligar o despertador e volto a adormecer.
Pipipipi! Pipipipi! Zau! Já está desligado. Abro os olhos e sento-me na cama. Olho à minha volta e regresso ao Mundo. Tenho de ligar ao Lim.
_Tou! Lim?
_Como é?
_Tá-se bem, man.
_A que horas em tua casa?
_O mais rápido possível. Pode haver merda.
_Merda? Onde?
_Falámos em minha casa, man. Dá-me uma hora.
_Até já.
Tomo um banho e vou para o meu apartamento. Tocam à campainha e entra o Lim.
_Então miúdo? O que se passa?
_A chave man! E se o Gazela perdeu a chave no armazém?
_A chave!
Dá uma palmada na testa e eu consigo ver a expressão dele a mudar. Começa a franzir a testa e a olhar para cima, para o lado esquerdo.
_Então Lim?
_Tens razão. Se a encontrarem perto ou dentro do armazém, vão chegar até mim facilmente. Temos que nos informar do que descobriram até agora.
_Espera aí que eu vou à caixa do correio buscar o jornal.
_Também vou ligar a televisão nas notícias.
Saio, vou à caixa do correio e vejo um jornal e uma carta sem remetente. Volto para a sala. O Lim meteu o CD da Dido e já enrolou um.
_Já deu nas notícias? Aqui no jornal não tem grande coisa, man.
_Toma segura. Parece que recolhemos três milhões e quinhentos mil euros.
_Três milhões e quinhentos mil? Iá.
_Mas não têm nenhuma pista, ainda.
_E agora, man? Voltamos lá?
_Na hora do almoço vamos ver se encontrámos alguma coisa no esterior. Depois logo se vê.
Iá. Ainda era tão cedo. Dá perfeitamente para ficar a curtir no sofá. O som está super-fixe, a moca a bater bué e sinto-me a relaxar um bocado.
Por volta da uma da tarde vamos no carro do Lim até ao parque industrial. Paramos exactamente onde tínhamos deixado o carro na noite anterior. Saímos e começamos a caminhar à procura da maldita chave.
_Ainda não vi nada, Lim.
_Não olhes para ninguém nos olhos. Olha só para o chão.
Continuamos a procurar, mas nada. Nada. Voltamos para o carro um bocado desiludidos. A única coisa que nos alegrava era o facto de saber que a judite ainda não tinha encontrado nada também.
O Lim deixa-me à porta da universidade e eu saio.
_Eu depois ligo-te, man.
_Adeus.
Lá estava a Mena de novo com a insuportável da Lena.
_Olha, olha. Cá está ele de novo.
_Olá anjo.
_Mena estás fixe?
_Então lindinho da mamã? Voltaste?
_Lena olá e adeus. Vamos amor?
_Vamos. Adeus Lena. Eu depois ligo-te.
_Adeus.
Agarramos na mão um do outro e começamos a caminhar para o Mc Donald´s.
Quando saímos demos um beijo e ela foi para o centro de explicações que era mesmo ao lado. Era lá que ela dava explicações de matemática a alunos do décimo segundo ano.
E eu? Vou para o Fanicos.
Entro e lá está o Rui na mesa do costume.
_Então Rui?
_Então pá?
_Que contas man?
_Pá nem te digo. Parece que houve um roubo ontem à noite e que o Lim esteve envolvido nisso.
_Quem te disse isso?
_Sabes pá, o meu tio Gusto trabalha no armazém que foi roubado ontem e ouviu dizer que ontem à noite o Lim foi interrogado pela pê jota.
_A sério? E que mais?
_Sabem quantas pessoas eram e que perderam alguma coisa.
_E como?
_Tinham instalado há pouco tempo uma câmara para o exterior e conseguiram ver na única filmagem que escapou ilesa que eles procuravam alguma coisa no chão.
_E os tipos? Conseguiram identificar algum?
_Não pá. Infelizmente estava demasiado escuro e com os gajos de preto e todos encapuchados, era impossível
_E agora? O que está a judite a fazer?
_Eles já sabem bué, pá.
_Conta-me tudo man.
O Rui contou-me que começaram por desconfiar que devia ser por intermédio de alguém de dentro que eles conseguiram entrar. Ou então por intermédio de alguém que tivesse trabalhado lá recentemente. Foi quando descobriram que só tinham rescindido contrato dois tipos no passado mais recente. Um deles era um velhote que está internado no hospital. Estava fora de hipótese. O outro era o pobre do Gazela. A judite já tinha ido há casa do Gazela e tinha encontrado lá os planos. E ainda para mais a Mãe dele disse-lhes que o Gazela tinha dito que nessa noite ia para o Fanicos e que chegava tarde.
Neste momento estão a passar o armazém a pente fino à procura de alguma pista que incrimine o Lim. E também estão à procura do Gazela, pois até agora ainda ninguém teve notícias dele.
_Que cena, man.
_Podes crer pá. Parece que o plano era algo de fabuloso, a pê jota disse que nunca tinha visto nada assim, pá.
_Espectacular man. Olha, o Lim está cá?
_Ainda não o vi, pá.
_Vou ver se ele está lá dentro. Até já.
_Até já.
Fui para a sala ao lado e o Lim não estava. Foi quando reparei que a porta do quarto estava fechada. Bati à porta e como não havia resposta, entrei. Merda. O Lim não estava aqui também. Tinha que lhe ligar.
_Tou! Lim!
_Tou!
_Onde estás, man? Tenho uma cena para te contar, man.
_Não posso. Agora não. Mal possa eu ligo-te.
_Olha que é ...
Desligou-me na cara. Era primeira vez que o Lim me desligava o telefona na cara. Devia se estar a passar alguma coisa. O quê? A judite? E agora? Só posso esperar que ele me ligue. Vou para o meu apartamento. Iá. Bebo um copo, enrolo um e relaxo até ao Lim me ligar.