sexta-feira, setembro 30, 2005

CAPÍTULO IV

Capítulo IV

E cá estou eu. Outra vez só. Deitado no meu sofá. E mais uma vez pedrado. Vida estranha a minha. E depois? Vou ganhar quinhentos mil euros e a minha vida vai passar a ser mais interessante. Não quero dizer que agora não é interessante. Porque até o é. Mas o certo é que quinhentos mil euros conseguem tornar o que já era interessante em ainda mais interessante. Eu sei que concordam comigo.
Comecei a decorar o plano. Acho que estive umas três horas. Foi quando olhei para o relógio do vídeo e vi que já eram cinco da tarde.
Estava na hora de ir buscar a Mena. O que iria eu lhe dizer? Contar-lhe a verdade? Não faço a mínima ideia. Vou ter que improvisar. Iá. Eu sou bom nisso.
Cheguei à faculdade e lá estava ela no seu grupo de colegas. Na treta, a contarem as maiores baboseiras uns aos outros.
_Olá anjo.
Esta voz carinhosa. Como é bom escutar esta voz. Voz suave como o mel, a fugir um bocadinho para o mimalho. Mas acima de tudo linda e sincera.
_Então Paixão. Tás fixe?
_Olha quem ele é? O meu vilão favorito.
Apresento-vos a Lena. A melhor amiga da Mena. “_Onde vai Mena está a Lena.”. Inseparáveis. Por vezes irritantes quando juntas.
_Deixa-o em paz Lena. Nós já vamos embora.
_Olha agora o menino precisa de advogada de defesa. Que querido.
_Paras Lena? Deixa-o, já te disse.
_Qual é a tua Lena? Já vi que estás parva como é costume.
_Deixa-te de merdas piolhoso. Não sei o que vê ela em ti. Vê-se à distância que não prestas.
_Vamos Mena. Não estou para a aturar hoje.
_Tchau Lena! Tchau pessoal!
_Tchau Mena!!!
Começamos a caminhar de mão dada. E fomos no carocha amarelo da Mena para o meu apartamento. Sentamo-nos no sofá a ver a MTV. Eu a beber um copinho de whisky e a Mena a enrolar um piquinho.
_Estava mesmo a precisar de um. Tenho um mini-teste amanhã de manhã e preciso de decorar uns exercícios.
_Tu às vezes passas-te. Tanto resmungas por eu fumar sozinho como a seguir estás a enrolar um comigo.
_Tu não entendes. Eu gosto de me sentir moca quando tu também estás. Nem que não estejamos juntos. Se eu souber que estás a fumar em tua casa e eu estiver na minha, se fumar também é como se estivesse contigo. Percebeste, anjo?
_Iá. Já te entendo. Tás passadinha de todo.
_Deixa-te de coisas e ajuda-me.
Acabamos de enrolar e fumamos juntos. É incrível. Sensacional. Dá para ter sensações de outro mundo. É como estar na quinta dimensão. Curtimos bué. Eu por cima, ela por baixo e os dois um só. Lindo! Até que por fim, fomos fumar um cigarrinho para o quarto de banho enquanto nos lavamos.
_Mena és única. Adoro-te!
_Também te adoro muito! Tu és o meu amor.
_Que vais fazer logo à noite?
E agora? Imaginação tens que actuar, e já. Inventa a melhor desculpa do mundo. Salva-me mais uma vez. Please.
_Ei! É verdade! Logo à noite! Já me esquecia.
_De quê anjo?
_Combinei com os meus Pais ir à casa dos meus tios. Vamos buscar o meu primo César à casa dos Pais, para passar o fim-de-semana connosco. Já me tinha esquecido.
Sou ou não sou o maior nestas situações? Não tive que lhe contar sobre a recolha nocturna, como ainda já consegui uma desculpa para não estar com ela a noite toda. E com sorte para poder ficar a dormir amanhã até mais tarde.
_Que chato. Assim não podes estar comigo. Vou morrer de saudades.
_Tá descansada porque amanhã compenso-te.
_Podes crer que vais pagar caro. Também não faz mal, amanhã é Sexta-feira e à noite vais ver o que te espera.
Amanhã. Boa piada. Eu quero é ver o que me espera hoje à noite. Na volta amanhã já nem estamos juntos. É estranho pensar nisto. Como é que eu posso pôr esta carta no baralho? Eu não era capaz de estar um dia inteiro sem ela. O melhor é continuar o meu jogo e ver no que dá. Já chega o facto de estar a mentir. Olha agora acabar um namoro que está a correr também. Mas, e o dinheiro? Como poderei explicar-lhe que fiquei rico de um momento para o outro?
_Desde que não apareças com a Lena, está tudo bem.
_Não ligues ao que ela diz. No fundo do fundo eu sei que ela gosta de ti.
_Só se for no fundo de uma campa. É lá que ela gostava de me ver.
_Não digas isso dela. Não é verdade!
_Sabes bem que é assim! Ela odeia-me! E irrita-me! Não consigo gostar dela.
_Vamos nos acalmar. Não me quero zangar contigo por causa da Lena.
_Eu acho que já vens tarde! Já estou nervoso suficiente!
_Não me grites! Acalma-te!
Acalma-te! Então que tens? Não percas o controlo. Nem penses em aproveitar-te da Lena para acabares tudo com ela. Deixa-te de coisas. Vá, inspira fundo. Bem fundo. Boa. Agora expira. Não vale a pena contar até dez. Um, dois, três, quatro, cinco... Basta. Pede desculpa e fica bem com ela.
_Sabes Mena eu...
_Escusas de dizer. Já sei que te custa dizer. Estás desculpado.
_Não era isso que queria dizer.
_Como é?
_Eu ia dizer que está na hora de te ires embora.
_Que... que... queres dizer com isso?
_Nada. Que quero ficar um bocado só. Mais nada.
_Estás a expulsar-me da tua casa? Está descansado que eu saio. Pode até ser que nem volte mais! Adeus!
_Espera Mena!
Tarde de mais já saiu. Sinto um enorme nó na garganta. Engulo em seco e sinto os olhos a latejar. Sinto uma lágrima a escorrer-me pela face, mas não a tiro. Consigo agora observar pela janela a Mena lá embaixo a correr para dentro do carocha.
Não há mais nada a fazer. Ela foi e eu tenho que continuar com a minha mente descansada. O Lim não pode saber que acabei com ela. Pode pensar que estou abatido e psicologicamente em baixo. Não posso perder esta chance. É única.
São sete e meia o plano entra em curso precisamente às dez e meia para o primo do Lim e para o Lim. Mas para mim começa mais cedo. Às nove horas tenho que ir buscar o gazela.
Ei! Esqueci-me do Rui. Que cena!
Pego no telemóvel e ligo-lhe.
_Tou! Rui?
_Como é pá? Já tens a cena ou não? Sabes que horas são?
_Desculpa man. Perdi-me no meio das horas.
_O que estás a dizer? Perdeste-te quê?
_Nada esquece.
_Já vi tudo. Tou a ver que o produto é bom. Fixe.
_Tens toda a razão.
_Onde estás pá?
_Estou a ir para casa.
_Tou lá daqui a uns vinte minutos. Até já.
_Tá até já.
Fui buscar um bocado de cena ao frasco e saí. Apanhei um autocarro para casa. Queria chegar antes do Rui. E acima de tudo não podia dar bandeira. Não ia escorregar em nada. Não podia contar-lhe nada, nem da Mena, nem da recolha nocturna. Nada mesmo.