terça-feira, setembro 27, 2005

CAPÍTULO II

Capítulo II

2002
9:10h – Casa dos meus Pais

Meu telemóvel está a tocar e acordo sobressaltado. Olho pela janela e consigo observar a cortina a mexer. É de leve, mas está definitivamente a mover-se. Penso para mim que deve ser o vento, pois ainda ontem estiveram ventos ciclónicos.
O telemóvel não pára e pego nele. 961 231 373. É o Rui.
_Tou! Rui?
_Tou ! Então, pá? Tás fixe?
_Iá man! Porreiro. Que queres?
_Estou a precisar, pá. Já acabou.
_Quanto?
_Dez euros. Tens?
_Tenho. Onde estás?
_Bem, na tua janela.
Olho para a janela e ali estava ele. Com os seus olhinhos azuis e o seu curto cabelo ruivo. A olhar para mim com um sorriso todo acriançado. Sim, assim era o Rui, um rapaz com os seus 19 anos. Estudante de dentista na faculdade de medicina.
_Rui, já te disse milhões de vezes para não me trepares pela varanda. Tenho uma porta lá embaixo como toda a gente.
_Desculpa pá. Mas não consigo evitar de fazer sempre isso. Então pá, tás fixe?
Estendeu-me a mão e cumprimentámo-nos.
_Entra e senta-te na minha cama.
_Obrigado. É pá, que raio de pijama é esse?
Sim era verdade. Boa pergunta. “_Que raio de pijama é esse?”. Por que raio é que logo hoje eu tive que vestir a merda deste pijama. O pijama que a Tina me ofereceu nos anos. O pijama mais feio do mundo. Azul eléctrico, com montes de risquinhas cor-de-rosa e estrelinhas amarelas. Odeio as prendas da Tina.
_Não ligues é feio mas confortável.
_Há! Há! Há! Tu é que és doido. Então pá, tens a cena?
_Deixa-me ir à gaveta.
Ajoelhei-me e abri a gaveta do meu roupeiro e tirei um caixotinho que estava embaixo de tudo. Peguei nele e pousei-o em cima da cama. Abri-o e olhamos os dois para dentro dele. Estava vazio.
_È pá, granda cena. Não tens nem um greirinho.
_Merda. Tenho que ir ao Lim buscar mais, man.
_É pá. Vê lá se vais e rápido, porque estou mesmo a precisar.
_Ou! Calma aí. Vou quando puder. Tenho ainda que ir tomar banho e tomar o pequeno-almoço.
_Olha então vou indo pró Fanicos. A gente comunica-se pá.
Saltou pela minha janela e foi-se embora. Despi-me e fui tomar banho.
Olho agora para o espelho e estou o máximo. Uma brasa, o único e o melhor. Uau.
Chego á cozinha e só está lá a Tina. A minha doce e fiel Tina. A melhor governanta que se pode arranjar. Com 67 anos e um espirito de 28. Gordinha, com bochechinhas e um sorriso encantador.
_Bom dia Tina!
_Bom dia menino! Sente-se que eu sirvo.
_Obrigado Tina. Quero leitinho com chocolate e as super-torradas da Tina!
_Estão acabadinhas de tostar.
Um cheirinho a pãozinho torrado com manteiguinha acabada de barrar. Hum. Que bom.
Já de papo cheio saio e desço pela rua. Meto os phones nos ouvidos, os meus sunglasses e ligo um super-som. U2. Elevation. Caminho pela calçada e vou a chutar uma pedra.
Chego ao Fanicos e entro. Um sonzinho super baril de Pixies. E um ambiente de fumo e de jogo. Lá está o Rui, na mesa mais fixe, ali mesmo no canto de onde se pode ver tudo. Quem entra, quem sai, quem nos olha. Enfim tudo.
_Então Rui? O resto do people?
_Ainda não vi ninguém pá
_Nem o Lim?
_Aí é que está a cena pá, nem o Lim.
_Vou ligar-lhe. Merda man, deixei o telemóvel no quarto.
_Toma usa o meu.
_Não dá man. Não sei o número de cor. Temos que ir à minha casa.
_Vamos no meu carro.
Saímos e fomos para o carro do Rui. Uma velha quatro L, cor de laranja com o numero sessenta e nove colado com letras azuis nas portas.
Chegamos à minha casa e fui buscar o meu telemóvel.
_Menino! Menino! Já tocou mais de dez vezes.
_Obrigado Tina. Mas no visor só estão marcadas duas.
_Vem jantar? É o seu super-bacalhau.
A Tina já não me pergunta nunca se vou almoçar, pois sabe que isso é tarefa impossível. Mas jantar é diferente. Ainda para mais um super-bacalhau.
_Se vier eu ligo-te tá? Tichau Tina!
_Adeus menino!
Fechei a porta e saí. Fui ter com o Rui ao carro dele e peguei no meu telemóvel para ver quem me tinha telefonado.
_Entra pá. Tu sabes mesmo onde mora o Lim?
_Sei. Já lá fui bué de vezes. Que granda noia!
_Que foi pá?
_Ligou-me a Mena e o Lim.
Mena, um metro e setenta e dois, sessenta quilos, morena, olhos verdes, corpinho tipo garrafa da coca-cola e principalmente o amor da minha vida. Sim, por ela era capaz de tudo. Como cantava o Brian Adams “_Everything I do, I do it for you”.
Pensei para mim mesmo que o melhor era ligar primeiro à Mena e só depois ao Lim. A cena podia esperar um bocadinho mais.
_Tou! Mena? Bom dia, Paixão.
_Amor? Estava a ver que não me ligavas. Onde estás?
_Tou com o Rui. Aqui no carro dele.
_Manda um beijo meu à Mena.
_Já te disse mais de mil vezes que não gosto da companhia dele. O Rui é má companhia para ti.
_Está descansada. Eu sei o que faço.
_Não me digas que vais à casa do Lim!
_Achas? É claro que não. Vamos jogar um bilhar os dois. Mais nada.
_Não me mintas! Estou a ouvir o anormal do Rui a rir.
_Não é nada. Estás a ouvir apenas o rádio. É o programa da manhã. É de rir.
_Está bem. Vou fazer de conta que acredito. Um dia ainda vais arranjar das boas graças às más companhias.
_Ná! Não penses mais nisso.
_Olha, eu vou para as aulas e vemo-nos mais tarde. OK?
_Tá Paixão. Beijos grandes para ti.
_Beijos enormes para ti também, meu anjo.
_Tichau.
Desliguei o telemóvel e o Rui não parava de rir.
_Cala-te Rui! Pareces um puto de dez anos.
_ Pá! Que queres? Tu és de matar a rir.
_Silêncio agora que vou ligar ao Lim.
_Tá pá. Faz de conta que eu não estou aqui.
Não gostava nada de ir à casa do Lim. O gajo era perigoso e a casa estava sempre sob vigilância da polícia judiciária. Eu tinha que arranjar maneira de me livrar do Rui e de encontrar o Lim noutro sítio qualquer.
Boa ideia! Vou fingir que estou a falar com o Lim ao telefone e que ele me pede para ir sozinho. Iá. O Rui que se lixe. Afinal o Lim não gosta de mirones.
_Tou! Lim?
_ (...)
_Então man? Tudo?
_ (...)
_Tou com o Rui. Preciso de falar contigo.
Para quem não sabe, não convém dizer ao telefone que quero cena ou outra coisa qualquer, pois o telefone pode estar sob escuta. Então combinei com o Lim que quando precisar de cena para lhe dizer que preciso de falar com ele.
¬_ (...)
_O quê? Sozinho? É só o Rui man.
_ (...)
_Tá pá. Eu vou sozinho. O Rui leva-me e depois vai-se embora.
_ (...)
¬_ OK! Tá pá. Até já.
_ (...)
_Abraço. Até já.
Desliguei o telefone e o Rui estava de boca aberta a olhar para mim.
_É pá. Obrigadinho. Tu é que és fixe.
_Que queres Rui? Não ouviste o gajo?
_Tu sabias perfeitamente que eu queria ir também. Não te esforçaste nadinha pá.
_Acabou man! Leva-me lá e finito.